SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A SBNI (Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil) atualizou as diretrizes para diagnóstico, investigação e tratamento do transtorno do espectro autista (TEA) no Brasil. O documento reúne as principais evidências científicas sobre o tema e orienta médicos a priorizar o diagnóstico clínico precoce, feito por observação e entrevista com os pais, além de recomendar intervenções baseadas em evidências.

A diretriz alerta para o uso indevido de terapias sem respaldo científico, como dietas sem glúten e caseína, ozonioterapia, uso indiscriminado de suplementos, canabidiol e células-tronco. Essas abordagens, segundo a SBNI, não têm eficácia comprovada e podem representar riscos físicos e financeiros às famílias.

O texto reforça que o diagnóstico do TEA deve ser essencialmente clínico e realizado por profissionais experientes em neurodesenvolvimento, com base nos critérios do DSM-5 —manual internacional utilizado para classificar e diagnosticar transtornos mentais, como autismo, TDAH, depressão e ansiedade.

Os especialistas recomendam atenção especial a sinais precoces, como ausência de contato visual, pouca vocalização e dificuldade de reciprocidade social, que podem surgir ainda no primeiro ano de vida.

Na parte terapêutica, a entidade reafirma que não há medicação capaz de tratar os sintomas centrais do autismo. As intervenções com melhor evidência de eficácia continuam sendo as baseadas na análise do comportamento aplicada (ABA), que devem ser individualizadas e supervisionadas por equipe multiprofissional.

O tratamento medicamentoso, segundo a diretriz, deve se restringir a comorbidades associadas, como irritabilidade, TDAH, distúrbios do sono e ansiedade. Nesses casos, medicamentos como risperidona e aripiprazol podem ser utilizados sob acompanhamento médico. A melatonina foi apontada como uma opção segura e eficaz para problemas de sono.

O documento também traz orientações éticas e legais sobre relatórios médicos, carga horária terapêutica e cobertura pelos planos de saúde. A SBNI orienta que o médico não fixe uma carga horária rígida de terapias, mas proponha um plano inicial a ser ajustado conforme a evolução do paciente pela equipe multiprofissional.

A entidade reforça ainda que o fornecimento de acompanhante especializado é responsabilidade da escola, cabendo ao sistema de ensino, e não aos planos de saúde, garantir esse apoio durante o período escolar.

O professor Erasmo Casella, neurologista infantil e chefe da Unidade de Neuropediatria do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), explica que o principal objetivo do documento é trazer clareza sobre o que realmente tem respaldo científico no tratamento do autismo.

“O autismo virou um tema muito popular e, com isso, surgiram muitas terapias sem base em evidência. Algumas até com boas intenções, mas outras com foco comercial. Queremos ajudar famílias e profissionais a distinguir o que é realmente eficaz”, afirma o médico, que também é um dos autores da diretriz e membro do departamento científico de transtornos do neurodesenvolvimento da SBNI.

O especialista reforça que o documento é aberto a revisões futuras, conforme novas evidências surjam. “Se amanhã houver estudos sólidos comprovando a eficácia de uma nova terapia, ela poderá ser incluída. Mas, por enquanto, o que tem base científica são as intervenções comportamentais estruturadas e o manejo das comorbidades.”

Guilherme de Almeida, presidente da Autistas Brasil e pesquisador da Unicamp (Universidade de Campinas) na área de educação inclusiva, alega que o documento da SBNI permanece “epistemicamente datado”, refletindo práticas da década de 1980 que ainda veem o autismo como desvio a ser corrigido, sem incorporar a perspectiva da neurodiversidade e os direitos das pessoas com deficiência.

“As novas recomendações não trazem novidade para o Sistema Único de Saúde. Reforçam velhas abordagens sob a aparência de atualização, reproduzindo o mesmo olhar clínico e comportamental que há décadas tenta enquadrar o autismo em modelos de normalidade”, critica.

Segundo Casella, a diretriz foi atualizada para incorporar os avanços recentes na área e para padronizar condutas entre médicos e terapeutas.