SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Marcelo Sommer propõe que as mulheres se vistam com uma blusa verde estampada com o logotipo de uma bebida alcoólica, uma saia xadrez verde, meias esportivas de colégio -também verdes- e sapato de salto alto. Para o guarda-roupa dos homens ele imagina uma camiseta esportiva estilo jersey combinada com uma calça de alfaiataria usada do avesso, com o forro onde ficam os bolsos à mostra.

Foi neste estilo copia-e-cola de referências, com um mix de peças pensadas para deixar os looks monocromáticos, que o designer de moda apresentou o primeiro desfile de sua nova marca, Uó, na quadra de basquete de uma academia de ginástica em São Paulo, no último sábado, como parte da programação da São Paulo Fashion Week.

Desenhada com seu marido, Luiz Monteiro, a Uó busca em brechós dentro e fora do Brasil peças e acessórios que já existem e os combina numa estética meio esportiva, meio anos 1990. É a um só tempo coerente, dado que esta linguagem estética foi mantida do início ao fim do desfile, mas também um pouco cansado -por que toda marca agora quer que as pessoas se vistam com camisetas de times de futebol americano, basquete ou rugby?

Os sapatos, também de brechó, receberam uma linda pintura à mão com o logotipo da marca. Caixinhas de madeira antigas ganharam correntinhas e assim viraram bolsas, e pedrinhas de bingo foram transformadas em brincos. “É tudo peça única”, afirma Sommer, acrescentando que a coleção será vendida na loja Pinga, em São Paulo, especializada na nova moda autoral brasileira.

A proposta da Uó, de garimpar peças existentes e ir atrás de estoques mortos de tecido de outras marcas para dar a eles um novo significado, é boa. Nada é produzido do zero e, assim, não se cria mais vestuário que pode ir parar no lixo, num planeta já saturado. De todo modo, foi um retorno morno de Sommer a São Paulo Fashion Week -a falta de empolgação também pode ter sido pelo horário do desfile, quase às 23h de um sábado chuvoso.

Numa proposta mais arejada, Alexandre Herchcovitch se valeu de tecidos nobres como o couro, o cetim duchese e o chamalote -que dá um aspecto de brilho ondulado às roupas em movimento- em sua nova coleção, mostrada numa sala na Praça das Artes em que o tapete vermelho dramático acentuava o visual luxuoso das peças.

Parte das roupas era minimalista -como os vestidos pretos lisos segurados por fechos em fendas laterais-, e outra parte carregava no brilho -a exemplo dos vestidos bordados de cima a baixo com flores e folhagens. Sendo Herchcovitch, alguma pequena provocação era de se esperar, e ela veio na forma de capuzes adicionados a roupas de festa. Vale mencionar também as belas bolsas de madeira e aço inox feitas com a marca gaúcha de design Riva.

Roupas de festa também foram o cerne do desfile de Gustavo Silvestre, que mostrou looks prontos para brilharem num baile de carnaval de luxo como os do Copacabana Palace. As peças do estilista eram reluzentes e deixavam os corpos à mostra, com a sensualidade das pernas acentuada pelas plataformas, sandálias e saltos de vários centímetros acima do chão. A altura dos calçados parecia causar certo desconforto nos modelos, que precisavam se concentrar no equilíbrio.

Silvestre é conhecido pelo seu projeto Ponto Firme, em que detentos do sistema carcerário tecem as tramas de crochê que ele usa como base para as roupas. Neste desfile, o crochê veio misturado a paetês em diferentes formatos e elementos brilhantes tipo cristais Swarowski. É uma costura manual complexa que gera peças únicas. Explorar as possibilidades do crochê, diz Silvestre, “é um convite para questionar limites e ampliar a percepção do que o artesanal pode expressar na moda contemporânea”.

Ao desfilar entre as esculturas do andar térreo do Museu de Arte Contemporânea da USP, o estilista sugere que sua moda também merece estar no museu -o que é questionável-, mas de todo modo a luz de começo da tarde desta segunda que entrava pelas paredes envidraçadas do lugar deu uma graça na apresentação e ajudou os fotógrafos a fazerem as melhores imagens.

Um dos pontos altos da semana de moda que terminou nesta segunda foi o desfile da Apartamento 03, marca do mineiro Luiz Claudio. Ele criou uma temporada baseada nos figurinos de Benjamin de Oliveira, o primeiro palhaço negro do Brasil a ter destaque, no final do século 19. Fotos históricas mostram o rapaz, alforriado ao nascer, com o rosto pintado de branco, vestindo fraque e uma grande gola com babados.

O estilista pegou tudo isso, deu um banho de brilho e mandou para a passarela, com um elenco praticamente todo formado por modelos negros. Os dourados das capas não tinham aquele brilho cafona, pelo contrário, eram profundos como a ferrugem, e as cartolas pretas reluziam com a iluminação da passarela como se fossem figurinos de Michael Jackson quando ele estava no auge.

Os primeiros looks eram carregadíssimos, pareciam figurinos, mas do meio para o fim uma série de roupas possíveis de vestir deram as caras, como uma saia de penas e vestidos com volumes e plissados. É uma costura com presença, acentuada pelos brincos em formatos de cadeiras desenhados por Carlos Penna. A coleção quer “transformar a memória em movimento, vestir a história e permitir que ela continue viva”, diz Claudio.