BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve fatiar as medidas de compensação à MP (medida provisória) de aumento de impostos em ao menos dois projetos, com o objetivo de separar as ações menos controversas e com maior chance de aprovação daquelas que ainda enfrentam resistências no Congresso Nacional.

Segundo técnicos ouvidos pela reportagem, um dos projetos deve conter as medidas de contenção de despesas, com impacto estimado em R$ 15 bilhões, e o limite mais rigoroso para uso de créditos tributários na compensação de impostos a pagar, que pode ampliar a arrecadação em R$ 10 bilhões no ano que vem.

Outro projeto deve ficar com o aumento da taxação das apostas esportivas (bets) e a tributação de títulos hoje isentos, como aqueles do agronegócio e do setor imobiliário. Juntas, essas mudanças poderiam incrementar as receitas em R$ 4,3 bilhões em 2026, segundo os cálculos iniciais do Executivo.

O governo ainda discute em qual projeto vai abrigar o acréscimo na taxação das fintechs e do JCP (Juro sobre Capital Próprio, uma forma de remunerar os acionistas de uma empresa). Embora sejam consideradas pelo Executivo menos controversas do que a taxação de bets e títulos isentos, elas também enfrentam resistências no Legislativo. Seu impacto era projetado em R$ 6,57 bilhões para o ano que vem.

As medidas em discussão são as mesmas que constaram na MP de aumento de impostos, derrubada pela Câmara em 8 de outubro, último dia do prazo de tramitação do texto. A Constituição proíbe que o governo repita o envio dessas iniciativas por meio de outra MP na mesma legislatura, mas é possível reapresentá-las via projeto de lei.

Para o governo, essa estratégia é suficiente para fechar os números do Orçamento de 2026 sem prejuízo às despesas do Executivo e às emendas parlamentares, que sofreriam um corte de R$ 7,1 bilhões sem a compensação.

No entendimento dos técnicos, o ajuste nas despesas precisa ser aprovado ainda este ano para que possa ser incorporado ao Orçamento, uma vez que envolve a redução de gastos obrigatórios. Já o lado da arrecadação é mais flexível, pois a legislação autoriza a inclusão de receitas esperadas com projetos que ainda estão em tramitação. Por isso, o envio dos projetos resolve o problema mais imediato.

Além disso, a ala política do governo considera um simbolismo importante insistir nas medidas que miram bets e agro, depois que os acordos firmados pelo relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), para blindar esses setores em busca de votos favoráveis à MP acabaram caindo na conta do governo, gerando cobranças. Insistir na taxação das apostas esportivas foi uma determinação de Lula.

Integrantes do governo têm dialogado com representantes do Legislativo para sentir quais medidas seriam aprovadas mais facilmente e dividir os projetos conforme esse diagnóstico. A expectativa é que o texto que trata das despesas e da compensação tributária seja aprovado até o fim do ano.

A lista de medidas de despesas inclui o aperto nas regras do seguro-defeso (benefício pago a pescadores artesanais no período em que a atividade é proibida), o limite à concessão de auxílio-doença por meio de atestado médico (sem perícia presencial) e a inclusão do Pé-de-Meia (que paga bolsas de incentivo à permanência de alunos no ensino médio) no piso constitucional da educação.

Já o segundo projeto ficaria pendente de novas rodadas de negociação. Caso ele não seja aprovado nos próximos meses, o governo então poderá lançar mão de medidas adicionais para compensar o buraco restante. Isso inclui possibilidades como decretos para elevar o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) ou a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), pois são atos que não dependem do aval do Legislativo.

Nessa situação, o Executivo também poderia recorrer a medidas infralegais para apertar as regras de emissão dos títulos isentos, como já foi mencionado pelo próprio ministro Fernando Haddad (Fazenda).

Tais ajustes precisariam ocorrer antes do primeiro relatório de avaliação de receitas e despesas do Orçamento, programado para 22 de março de 2026. Do contrário, um buraco na arrecadação levaria à necessidade de congelar recursos para cumprir a meta fiscal, que é de superávit de 0,25% do PIB (Produto Interno Bruto), com margem de tolerância que exige, no mínimo, um saldo zerado.

Segundo um técnico ouvido pela reportagem, hoje o governo não teria uma visão clara do buraco a ser coberto por um eventual decreto de aumento de impostos, dado que as negociações com o Congresso ainda estão em curso.

Além disso, adotar desde já uma ação unilateral para compensar toda a MP poderia interditar o diálogo com o Legislativo e até contaminar outra proposta importante para fechar o Orçamento de 2026: o projeto de lei que corta 10% dos benefícios fiscais ao setor produtivo, cuja estimativa de arrecadação é de R$ 19,8 bilhões.

Por isso, o presidente Lula e seus ministros têm sido aconselhados a concentrar esforços nessas articulações para tentar aprovar o máximo possível das medidas já apresentadas.

Mais cedo, Haddad disse que Casa Civil e Fazenda devem fechar as medidas nesta terça-feira (21), o que é considerado necessário para destravar a votação da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2026.

“A Casa Civil e a Fazenda estão reunidos hoje, para nós processarmos aquilo que foi discutido com os líderes e até o começo da tarde nós vamos ter uma definição do que fazer”, disse o ministro a repórteres na portaria do Ministério da Fazenda.

“Para a gente poder fechar essas leis. Todas têm que estar harmonizadas. Quanto vai ser de receita, quanto vai ser de despesa, a LDO e o orçamento. No fundo é uma coisa só.”