SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após três anos de debates, o governo federal lançou nesta terça (27) o decreto federal do plástico (12.688/2025) que define regras para a logística reversa deste material no Brasil ao regulamentar a Política Nacional de Resíduos Sólidos (12.305/2010). O texto estabelece metas de reciclagem para indústrias cujos produtos geram resíduos plásticos após o consumo e também cria metas de uso de plástico reciclado na composição de novos produtos e embalagens.
Segundo a campanha da ONU sobre plástico, todos os dias o equivalente a 2.000 caminhões de lixo cheios de resíduos plásticos são despejados em rios e nos mares do planeta. No atual ritmo de descarte, em 2050 deve haver mais plástico do que peixe nos oceanos. E, no Brasil, estudo mostra que hoje mais plástico vai para os mares do que para a reciclagem.
Assinado pelo presidente Lula e pela ministra Marina Silva, o texto estabelece regras que pretendem movimentar gigantes como a indústria do plástico, de alimentos e de higiene pessoal, além da própria indústria recicladora, que foram implicados no processo.
Todas elas, junto a movimentos sociais ambientalistas e de catadores, acompanham há dois anos o vaivém do texto entre o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
“Estamos falando de quase todo o mercado. No ano passado, só de resíduo domiciliar urbano foram 13 milhões de toneladas de plástico no Brasil. Temos um potencial de recuperação, valorização e reutilização enorme”, afirma Carlos da Silva Filho, consultor da ONU para resíduos sólidos.
“O setor é gigantesco, e há interesse da indústria de alimentos, de cosméticos, de tintas… Cerca de 25% das embalagens são plásticas, e o governo ouviu as várias partes envolvidas na busca por acomodar todo mundo”, afirma Paulo Teixeira, presidente da Abiplast ( Associação Brasileira da Indústria Plástica).
O texto, que foi a consulta pública ainda em 2022, no governo de Jair Bolsonaro (PL), circulou também pela Casa Civil e pela Secretaria da Presidência da República, onde está o Comitê Interministerial para a Inclusão Social dos Catadores, criado por Lula depois que a catadora Aline Sousa lhe passou a faixa presidencial na cerimônia de posse.
O decreto define o que é embalagem plástica e abarca os chamados plásticos primários, secundários e terciários, mexendo com ainda mais setores da economia. Além do plástico primário, que é a embalagem do produto em si, há o plástico o secundário (que envolve grupos de embalagens primárias) e o terciário, que mantém unidos os grupos de embalagens para fins de transporte.
Ele define metas de reciclagem e estabelece que novos produtos plásticos precisam utilizar materiais reciclados em sua composição, num modelo que busca incentivar a valorização deste material no mercado de reciclagem.
“O decreto muda a perspectiva atual da necessidade de fazer embalagens recicláveis para a demanda por conteúdo reciclado em novos produtos, ou seja, matéria-prima que tem como fonte o resíduo sólido”, explica Silva Filho, que é sócio da consultoria S2FPartners.
“É importante porque traz as metas do Planares [Plano Nacional de Resíduos Sólidos], mas sobe o intervalo de mudança das metas de dois a três anos para uma ano a ano, de modo a estimular o mercado de reciclagem e logística reversa”, avalia Jessica Doumit, diretora de governança da Eureciclo e diretora-presidente do Instituto Giro.
Segundo ela, a determinação do uso de conteúdo reciclado em novas embalagens tem grande potencial de movimentar o setor. “Vai ter redução da poluição porque geramos incentivos para a cadeia trabalhar com coleta e envio para reciclagem de plástico. Isso deve gerar muitos incentivos para toda a cadeia do plástico.”
Enquanto as indústrias não são obrigadas a recuperar as embalagens que colocam no mercado nem utilizar matéria-prima reciclada, um dos mecanismos que utilizados para cumprir metas de reciclagem é a compra de créditos de reciclagem.
Com o decreto, elas precisarão comprovar a logística reversa de seus produtos, ou seja, sua recuperação para reciclagem. As empresas poderão comprovar o cumprimento das metas de forma individual ou por meio de entidades gestoras coletivas, que deverão relatar seus resultados anualmente ao governo.
“Acompanhamos os movimentos da Europa e nos antecipamos no Brasil para criarmos uma plataforma junto com o governo federal que pode comprovar o caminho do resíduo, da coleta até o usuário final do material reciclado”, explica Teixeira, referindo-se ao Recircula Brasil, plataforma que verifica e conecta notas fiscais eletrônicas, desde a compra dos materiais recicláveis até a venda de produtos finais com conteúdo reciclado, atestando a origem de parte da matéria-prima reutilizada em novos produtos.
“Ela está à disposição do governo. A ideia é ter o máximo de informação possível para mostrar para o governo e para a sociedade o quanto conseguimos reciclar de plástico. Isso dá segurança jurídica e efetividade ao decreto”, diz o presidente da Abiplast.
O plástico é um derivado do petróleo que passa pela industria química e sua produção dobrou nos últimos 20 anos no mundo, assim como a geração de lixo. Parte dele vaza para o ambiente e desconhece fronteiras -fragmentos minúsculos já foram encontrados em diversas partes do corpo humano.
De acordo com estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), mais lixo plástico escapa para o meio ambiente (22%) do que é coletado para reciclagem (15%). Na prática, apenas 9% dos resíduos plásticos são reciclados no mundo.
Embalagens representam 40% de todos os resíduos plásticos. Hoje metade do mercado de embalagens é do plástico, a maior parte delas vira descarte, e não vão para reutilização ou reciclagem.
“Hoje temos um decreto parecido para o vidro. Existe uma tensão no ar que é justamente porque escolher o plástico e não fazer algo geral para todas as embalagens, como de papel e papelão e metal”, questiona Silva Filho. “Quando você traz essa nova disciplina, que é muito positiva, acaba desbalanceado um material em relação a outro. Outros materiais vão aumentar seu marketshare.”
O plástico é objeto de um tratado internacional apelidado de “Acordo de Paris do plástico”, que terá sua última rodada de negociações em agosto em Genebra, na Suíça, e pretende criar regras globais juridicamente vinculantes para reduzir a poluição.