PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Nicolas Sarkozy, 70, tornou-se nesta terça (21) o primeiro ex-presidente da França e primeiro ex-chefe de Estado na União Europeia a ser preso. Ele saiu de casa de mãos dadas com a mulher, Carla Bruni, e se apresentou às 9h37 locais (4h37 de Brasília) à penitenciária de La Santé, na capital francesa, onde vai ficar em uma cela de nove metros quadrados, em um pavilhão isolado, por questão de segurança.

É o início do cumprimento de uma pena de cinco anos de prisão em um processo de financiamento ilegal de sua campanha presidencial de 2007 com dinheiro do então ditador líbio Muammar Gaddafi (1942-2011).

“Não é um presidente que está sendo encarcerado esta manhã, é um inocente”, postou Sarkozy na rede social X momentos antes de entrar na prisão. Segundo o Ministério da Justiça, ele não terá contato com nenhum outro detento. A cela em que ele ficará tem TV, ventilador, chuveiro e vaso sanitário.

O caso está dividindo os políticos franceses. Os defensores de Sarkozy, que presidiu a França de 2007 a 2012, denunciam perseguição política. A polêmica respingou no presidente Emmanuel Macron, depois que o jornal Libération revelou que Sarkozy foi recebido na sexta (17) no Eliseu, o palácio presidencial, fora da agenda oficial.

Durante visita oficial à Eslovênia, Macron defendeu sua decisão: “É normal, sob o aspecto humano, que eu receba um de meus antecessores.” Ele reafirmou, porém, respeitar a independência do Poder Judiciário.

O ministro da Justiça, Gérald Darmanin, também causou controvérsia ao anunciar que pretende ir a La Santé para ver Sarkozy, seu mentor na política. Darmanin disse que, pelo cargo que ocupa, tem o direito de visitar qualquer detento.

Um dos filhos de Sarkozy, Louis, um conhecido comentarista político de direita, convocou uma manifestação na manhã desta terça em frente à casa do pai.

Parte do debate diz respeito à execução provisória da pena, já que Sarkozy ainda recorre da condenação. É bem provável, aliás, que o ex-presidente deixe a prisão daqui a algumas semanas, quando um tribunal julgará se recorrer em liberdade representa algum risco para a sociedade.

Aliados de Sarkozy criticaram a decisão de já enviá-lo para regime fechado. Juristas, porém, apontaram que todos os dias na França condenados são submetidos a esse princípio, sem que isso tivesse causado até hoje qualquer indignação.

A líder das pesquisas para a eleição presidencial de 2027, Marine Le Pen, da Reunião Nacional (ultradireita), também defendeu que as penas só sejam cumpridas após o trânsito em julgado. Le Pen tem interesse na discussão, pois ela mesma recorre de uma condenação que a tornou inelegível, por desvio de fundos do Parlamento Europeu para seu partido.

Sarkozy foi criticado pelos ataques públicos que fez ao Judiciário francês. Isso teria levado juízes a sofrerem ameaças.

“Não tenho medo da prisão. Manterei a cabeça erguida. Não roubei, não traí”, afirmou no último domingo (19) ao jornal La Tribune Dimanche. Nesta entrevista, ele disse que aproveitará o tempo para ler “O Conde de Monte Cristo”, romance clássico de Alexandre Dumas (1802-1870) sobre um homem preso injustamente, e uma biografia de Jesus Cristo.

Curiosamente, Sarkozy foi condenado por formação de quadrilha, mas absolvido das acusações específicas de corrupção e financiamento ilegal de campanha. Isso teria ocorrido porque, embora não tenham sido encontradas provas do uso dos recursos, as evidências do esquema envolvendo a Líbia eram contundentes.

Dois colaboradores de Sarkozy foram condenados a dois e seis anos de prisão. Um deles terá que usar tornozeleira eletrônica e o outro, por já ter 80 anos, não cumprirá regime fechado.

Inaugurada em 1867, a prisão de La Santé é a única dentro de Paris. Já abrigou detentos ilustres, como o militar judeu Alfred Dreyfus (1859-1935), vítima de um erro judicial por antissemitismo, no final do século 19; o ex-ditador do Panamá Manuel Noriega (1934-2017); o colaborador do regime nazista Maurice Papon (1910-2007); e Ahmed Ben Bella (1916-2012), herói da independência da Argélia.

Em 1911, o poeta Guillaume Apollinaire (1880-1918) passou uma semana preso em La Santé, acusado erroneamente de participação no roubo da “Mona Lisa”, do Museu do Louvre.