BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo Lula (PT) está em vias de iniciar uma operação de campo em milhares de propriedades de 81 municípios de estados da Amazônia Legal para verificar in loco a situação fundiária e ambiental das terras.
O objetivo é dar início ao enfrentamento do caos fundiário que impera na região, a partir dos municípios que concentram os índices mais alarmantes de desmatamento e queimada nas últimas décadas.
Nas próximas semanas, equipes serão selecionadas e contratadas para, a partir de janeiro de 2026, dar início às visitas que se concentrarão em propriedades pequenas, de até quatro módulos fiscais, critério que se refere a terrenos com tamanho de 20 e 400 hectares, dependendo da região.
O plano prevê três fases de execução, cada uma delas com dois anos de prazo. Na primeira etapa, 48 municípios serão abordados, englobando cerca de 7.312 famílias. Com os outros dois ciclos seguintes, espera-se chegar às 31 mil propriedades.
A iniciativa faz parte do Programa União com Municípios pela Redução do Desmatamento e Incêndios Florestais, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima com apoio do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). As ações em campo serão realizadas pela Anater (Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural).
Loroana Santana, presidente em exercício e diretora técnica da Anater, conta que um primeiro aporte de R$ 150 milhões já foi aprovado, recurso que será bancado pelo Fundo Amazônia, administrado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O programa como um todo é estimado em cerca de R$ 600 milhões.
A Anater é uma instituição vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e atua como braço operacional, na execução de políticas públicas para a agricultura familiar. O projeto, segundo Loroana, prevê que a agência contrate instituições locais de assistência técnica, para tocar as visitas e alimentar um banco de dados com as informações captadas em campo.
As visitas servirão para confirmar as informações sobre esses locais. Um dos objetivos é checar o que consta no CAR (Cadastro Ambiental Rural), criado para mapear e monitorar o uso do solo nas propriedades rurais, mas que hoje é alvo de milhares de fraudes ele é autodeclaratório.
Serão cruzados também dados com o Sigef (Sistema de Gestão Fundiária) e o Cnir (Cadastro Nacional de Imóveis Rurais), para identificar quais são as ocupações legítimas, as sobreposições e as inconsistências dos dados.
O objetivo, diz Loroana, é corrigir falhas históricas nos cadastros rurais e trazer segurança jurídica às famílias que vivem há décadas em áreas sem titulação definitiva.
“Mais do que titular terras, queremos promover uma mudança de modelo produtivo na região. Todas as ações têm foco agroecológico, para substituir a agricultura predatória por uma de base agroflorestal”, afirma.
Além dos recursos do Fundo Amazônia, financiado com recursos de outros países, há previsão de aportes complementares vindos do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e do programa Floresta+ Amazônia, que somados chegam a cerca de R$ 75 milhões.
Um mapeamento feito pelo governo mostra que os municípios selecionados responderam por 78% do desmatamento em 2022. Estados como Pará, Rondônia e Amazonas concentram os maiores índices, especialmente em municípios como Marabá, Novo Repartimento e São Félix do Xingu.
Dados levantados pelo governo indicam que há 23 mil registros de imóveis rurais localizados em áreas que pertencem à União ou aos estados, mas que ainda não têm destinação definida. Ou seja, elas não foram oficialmente transformadas em assentamentos, unidades de conservação, terras indígenas, reservas extrativistas ou áreas privadas regularizadas.
Na prática, são ocupações privadas dentro de áreas públicas, muitas vezes feitas de boa-fé por agricultores antigos, mas também usadas por grileiros que registram terras como se fossem suas.
O governo identificou, ainda, 33,5 mil propriedades rurais com registro de ocorrências de desmatamento de 2017 a 2023.
A Amazônia Legal é uma área criada por lei, para fins de planejamento e desenvolvimento regional. A região reúne nove estados brasileiros que possuem parte de seu território coberto pelo bioma amazônico: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, somando cerca de 5 milhões de quilômetros quadrados, ou quase 60% do território nacional.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, a Receita Federal e o Incra firmaram um acordo de cooperação técnica para transformar a forma como é feita a cobrança e a fiscalização do ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural). A proposta cria um sistema de integração de dados e fiscalização que pretende simplificar e facilitar a vida do contribuinte dono de terra no campo.
A ideia é integrar informações de diferentes bases de dados em um único sistema e acabar com a fragmentação atual, que gera inconsistências e dificulta a fiscalização por parte da Receita.
A proposta prevista pretende consolidar essas informações no que tem sido chamado de CIB (Cadastro Imobiliário Brasileiro), que trará um identificador único para os imóveis rurais, uma espécie de “CPF da terra”. Nesta plataforma, todos os cadastros passam a conversar entre si, permitindo que os dados declarados sejam confrontados de forma automática, com valores oficiais.