SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um grupo de servidores do Ministério Público de São Paulo fazia uma manifestação com uma caixa de som na frente da sede da instituição na rua Riachuelo, no centro da cidade, em 13 de fevereiro deste ano, quando Ticiane Natale, uma oficiala de Promotoria, pegou o microfone para falar. Ela disse que, por meio dos penduricalhos, os membros do Ministério Público queriam enriquecer.

Ela agora responde a um processo administrativo por ter deixado “de proceder, na vida pública e privada, de forma a dignificar a função pública”.

Esse foi um dos episódios de uma recente desavença por causa dos supersalários entre promotores e demais servidores dos ministérios públicos, que têm ocorrido em diversos estados. Nesses órgãos usa-se a expressão servidores para se referir a oficiais de Justiça, analistas ou técnicos, e não a promotores e procuradores —que, embora formalmente também sejam funcionários públicos, são chamados de membros do Ministério Público.

A Fenamp (Federação Nacional dos Servidores dos Ministérios Públicos Estaduais) tem feito atos contra os penduricalhos dos promotores, e os sindicatos estaduais já organizaram passeatas e participam de audiências para questionar os pagamentos aos promotores e procuradores.

Esses analistas e técnicos afirmam que suas próprias demandas são menos contempladas por causa dos penduricalhos pagos aos promotores.

“Identificamos que há uma dificuldade para a tramitação de temas de interesse dos servidores, porque o orçamento está estrangulado pelas verbas indenizatórias e retroativas. Isso interfere na nomeação de servidores, preenchimento de cargos, atendimento à população e na própria expansão dos serviços”, afirma Alberto Ledur, presidente da Fenamp.

O dirigente sindical diz que há uma desigualdade na forma como as duas categorias de funcionários reivindicam suas demandas.

“Os servidores têm meios de pressão comuns, como tentar convencer deputados a concederem valores (aumentos) porque isso qualifica o serviço público. Eles [promotores] construíram a lógica do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) como se fossem legisladores, com poder de deliberação sobre as concessões de verbas, porque a maioria das decisões é tomada administrativamente e depois chancelada por esse conselho –e esse conselho são eles mesmos.”

A Folha procurou o CNMP, que não respondeu à reportagem até a publicação deste texto.

A questão ganhou mais relevância com a licença de gratificação, uma verba indenizatória que remunera os promotores que trabalham com muitos processos.

De acordo com um documento de 2023 do Transparência Brasil, a gratificação por exercício cumulativo começou em 2015, como um bônus concedidos a juízes responsáveis por muitos processos. Até então, era só para os magistrados de varas federais.

Em 2020, passaram a pagar esse adicional também para os juízes de varas estaduais.

Em 2022, foi a vez do CNMP recomendar o pagamento da gratificação. Em janeiro de 2023, veio uma mudança importante: a gratificação por acúmulo de processos (o que é chamado de acervo) passaria a ser dada como uma folga (usa-se a expressão licença).

A cada três dias trabalhados com um acúmulo de processos, o promotor ou procurador ganha um dia.

No entanto, esses profissionais podem não gozar essa folga e receber por ela. Assim, a licença por acervo virou uma verba compensatória (pagamentos que, supostamente, são feitos para compensar um gasto que um servidor teve para conseguir trabalhar e sob os quais não há incidência de Imposto de Renda e cujos valores não são contabilizados para o teto constitucional).

Um servidor do MPRJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) afirmou que o pagamento pela licença de acervo aos promotores é motivo de descontentamento entre os colegas dele porque muitas vezes são os analistas e técnicos que têm mais trabalho com a grande quantidade de processos, e não os promotores.

A situação no estado ficou tensa no estado do Rio de Janeiro porque os promotores recebem o retroativo pelo acúmulo de acervo e o procurador-geral (o chefe do MP) revogou um adicional de qualificação que os servidores receberiam, porque o estado está em recuperação financeira.

Em julho, o procurador-geral Antonio José Campos Moreira berrou com servidores em uma sessão colegiada do Órgão Especial do MPRJ.

Campos Moreira falava sobre por que tinha revogado a resolução que permitia o pagamento pelo adicional de qualificação aos servidores, argumentando que não poderia criar novas despesas enquanto o estado estiver em recuperação fiscal.

No meio da fala, reclama de críticas públicas feitas por uma pessoa que o teria visitado: “Eu não posso receber uma pessoa, receber bem, a pessoa virar as costas e me bombardear. Eu não recebo mais. Eu só recebo quem tem estatura para dialogar com o procurador-geral. Eu sou o procurador-geral de Justiça. Esse cargo é importante. Não é o Antonio José, é o procurador-geral de Justiça. E quem se dirigir a mim vai se dirigir a mim com respeito. Não vai se dirigir de uma ‘forma moleque’ em vaias no meio da rua”.

Incomodado com respostas durante a sessão, ele então grita diversas vezes ao microfone: “Cala a boca”.

Instantes depois, relata que, após ter revogado a resolução que aumentava o pagamento aos servidores, recebeu “um audiozinho, uma voz esganiçada (…) declarando guerra”.

De lá para cá, os servidores do MPRJ optaram por baixar o tom do conflito.