BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, decidiu substituir o atual subsecretário de Administração Financeira Federal, Marcelo Pereira de Amorim, responsável por uma das áreas mais sensíveis do órgão: a que cuida do caixa da União.
Ceron pediu o cargo sob o argumento de renovar a gestão, mas técnicos viram o gesto como uma maneira de afastar do posto alguém que fazia ressalvas, alertas e objeções a decisões do comando da instituição.
Por meio de sua assessoria, o secretário disse que a troca “decorreu da continuidade de um processo natural e gradual de renovação das lideranças técnicas do Tesouro Nacional, com vistas a dar oportunidades para novos líderes que estão se destacando na instituição”. Segundo ele, o processo de renovação não se encerrou.
Amorim deve deixar o cargo efetivamente no fim deste mês, mas foi comunicado da substituição no início de setembro. A decisão surpreendeu técnicos que atuam no órgão e ex-integrantes da instituição. Diferentes pessoas ouvidas pela reportagem classificam o subsecretário como um dos melhores quadros do Executivo e um profissional bastante preparado para a função. Ele ingressou no Tesouro em 2003.
Em seu lugar, assumirá Paulo Moreira Marques, atual coordenador-geral do Tesouro Direto, programa voltado à venda de títulos públicos a pessoas físicas. No Tesouro desde 2014, ele é descrito como profissional dedicado e que ganhou a confiança de Ceron. Sua experiência dentro do órgão é ancorada na área da dívida pública.
A reportagem apurou que ele foi o único candidato no processo de seleção interna, que contou com uma banca julgadora. Nenhum auxiliar de Amorim pleiteou a vaga.
A Subsecretaria de Administração Financeira Federal é considerada por algumas pessoas como “a alma do Tesouro”, pois cuida do caixa da União e é responsável pela programação financeira, isto é, a liberação dos limites que cada órgão tem para gastar, em linha com o cumprimento das regras fiscais.
Ela foi formalmente criada em abril de 2022, mas suas funções já existiam desde antes, abrigadas na Subsecretaria de Gestão Fiscal. Um diagnóstico interno apontou a necessidade de desmembrá-la, dada a importância e o peso que a gestão financeira tem para a política de governo. Amorim foi o primeiro a assumir o posto após a mudança.
Trata-se de uma área estratégica e ao mesmo tempo sensível: nas pedaladas fiscais, em que houve atraso de pagamentos de benefícios sociais durante o governo Dilma Rousseff (PT), a área de administração financeira era um dos alvos das intervenções do então secretário Arno Augustin para melhorar artificialmente o saldo das contas públicas.
Naquela época, Amorim era coordenador-geral de Programação Financeira do Tesouro Nacional e chegou a ser ouvido pelo TCU (Tribunal de Contas da União) no processo que investigou a prática e, posteriormente, embasou a rejeição das contas de Dilma.
O tribunal não aplicou nenhuma sanção contra ele, mas o processo deixou marcas. O corpo técnico, ele incluído, passou a ser ainda mais rigoroso com registros, ressalvas e alertas sobre medidas com as quais não concordavam, enquanto o TCU também ficou mais incisivo em suas cobranças. Segundo interlocutores, a postura dos técnicos acabou gerando desgastes internos na atual gestão.
Três interlocutores ouvidos pela reportagem afirmam que Amorim reclamou em conversas internas de medidas que, em sua avaliação, deveriam ter sido submetidas à JEO (Junta de Execução Orçamentária), colegiado formado pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil), Simone Tebet (Planejamento) e Esther Dweck (Gestão). Ele não chegou a detalhar quais seriam essas medidas.
O subsecretário também manifestou incômodo com ordens e determinações sobre a gestão financeira que eram apenas faladas, não escritas.
Numa tentativa de contornar a falta de registro, os próprios técnicos começaram a anexar em processos cópias de e-mails e até capturas de tela de mensagens trocadas entre eles em uma plataforma de comunicação citando “a decisão do STN”, em referência ao secretário do Tesouro Nacional. Essa estratégia foi adotada inclusive em um processo ligado ao último decreto de programação orçamentária, publicado em 30 de setembro, ao qual a reportagem teve acesso.
Amorim e sua equipe também recomendaram veto a um dispositivo idealizado pelo próprio ministro da Fazenda na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024 para limitar o tamanho do contingenciamento de despesas no Orçamento em caso de frustração de receitas. Como mostrou a Folha de S.Paulo na ocasião, um parecer de Ceron dispensou o veto com base em entendimento jurídico da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional).
O artigo inserido na LDO prevê que a contenção não pode comprometer o aumento real de ao menos 0,6% nas despesas correção mínima do limite de gastos previsto no novo arcabouço fiscal.
O Tesouro não respondeu oficialmente aos questionamentos sobre as divergências, embora Ceron sinalize, em conversas com pessoas próximas, que os auditores têm espaço para divergir das decisões e registrar seus posicionamentos, mesmo que contrários.
Em nota, o órgão elogiou o trabalho de Amorim, reforçou que a decisão tem um caráter de renovação e disse que o subsecretário foi avisado de que pode assumir outro cargo dentro da instituição, mas não detalhou qual.
“O referido gestor [Amorim] ocupava posição há anos numa das poucas subsecretarias que ainda não tinham tido alteração de cargos desde o início da gestão. Ressalta-se, ainda, que o gestor deu início a um mestrado profissional e, nesse contexto, houve o entendimento de que seria o momento oportuno para transição. Não há ressalvas ao trabalho do profissional, cuja qualidade técnica é reconhecida”, afirma o Tesouro, em nota.
O desconforto dentro do órgão não se restringe à área financeira, e há relatos sobre tentativas de evitar que os técnicos criem dificuldades por meio de pareceres contrários a medidas já pactuadas pelo comando do Ministério da Fazenda. Segundo esses interlocutores, há temas que nem são compartilhados com as áreas para evitar esse risco.
O secretário já assinou sozinho documentos que davam sinal verde a medidas controversas para a área técnica, como o parecer que pedia aval do STF (Supremo Tribunal Federal) para considerar a parcela de juros dos precatórios (sentenças judiciais) como despesa financeira que ficaria fora das regras fiscais. Criticada dentro do próprio governo e pelo Banco Central, órgão responsável pelas estatísticas oficiais das contas públicas, essa opção foi deixada de lado.
Mais recentemente, a negociação para dar garantia da União a um empréstimo de R$ 20 bilhões para socorrer os Correios, como revelou a Folha de S.Paulo, gerou temor entre os técnicos, sobretudo se a operação desaguar num calote futuro, obrigando o Tesouro a honrar os pagamentos com dinheiro dos contribuintes.
O anúncio público da medida ocorreu antes mesmo do posicionamento técnico das áreas, o que ampliou a percepção de que as decisões são tomadas antes mesmo da análise de sua viabilidade, criando pressão para a construção de alguma saída.
Na visão dos auditores, Ceron faz uma gestão bem mais centralizada do que seus antecessores. O contato é maior com os subsecretários, seus auxiliares diretos, e bem menor com os coordenadores-gerais, que estão um degrau abaixo na hierarquia da instituição, mas cumprem um papel relevante na gestão dos temas do Tesouro.
Além desse distanciamento, o trabalho remoto, prática amplamente adotada pelos órgãos do Ministério da Fazenda, é outro fator que dificulta maior interação do gabinete com o corpo técnico. A pessoas próximas, no entanto, o secretário diz acreditar que há um bom ambiente de trabalho.