SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O agora ministro aposentado do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso usou seu último dia no tribunal para se manifestar em três ações que envolvem a questão do aborto.

Na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 442, de 2017, que trata sobre a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, o ministro acompanhou a relatora original, a também aposentada Rosa Weber, e se posicionou de forma favorável à legalidade do procedimento.

Já a ADPF 989, que trata da efetividade do aborto legal nas hipóteses já permitidas e a ADPF 1207, que fala dos profissionais habilitados a realizar o aborto legal, tiveram decisões proferidas pelo ministro, que era relator dos casos. Nelas, o ex-presidente da Corte autorizou que enfermeiros possam auxiliar o procedimento de aborto nas hipóteses já permitidas pela legislação.

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ENTENDA CADA AÇÃO SOBRE ABORTO NO STF E QUAIS OS PRÓXIMOS PASSOS

ADPF 442

A ação, proposta em 2017 pelo PSOL e pelo Anis Instituto de Bioética, questiona a constitucionalidade dos artigos 124 e 126 do Código Penal, que criminalizam o aborto voluntário.

A votação teve início em 2023, quando a então relatora Rosa Weber, também em seu último ato no tribunal, defendeu a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Em seguida, o julgamento foi suspenso por pedido de destaque de Barroso em sessão virtual e estava paralisado desde então.

Antes de sua aposentadoria, na sexta-feira (17) Barroso cancelou o destaque e solicitou ao presidente do Tribunal, ministro Edson Fachin, a convocação de sessão virtual extraordinária para que pudesse apresentar seu voto.

Barroso acompanhou a relatora, afirmando que o aborto deve ser tratado como questão de saúde pública e não de direito penal. O julgamento foi novamente suspenso por pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes e só deve ser retomado após Mendes liberar o julgamento e Fachin definir uma data.

Pela regra atual, os votos dos ministros aposentados seguem valendo quando há pedido para que o tema seja apreciado no plenário presencial, o que quer dizer que o sucessor de Barroso e Flávio Dino, que sucedeu Weber, não são considerados na contagem de votos do mérito neste julgamento.

Depois, caso haja recursos no processo, então ambos poderiam votar. É o caso se houver embargos de declaração sobre o resultado, quando uma das partes solicita o esclarecimento de pontos obscuros do julgamento.

ADPFs 1207 e 989

No caso destas ações, Barroso deu decisão para autorizar que enfermeiros e técnicos de enfermagem possam prestar auxílio na interrupção da gravidez nos casos em que o aborto já é permitido pelo direito brasileiro: risco de vida da gestante, gravidez resultante de estupro e gravidez de feto anencefálico.

A ADPF 1207, proposta em fevereiro de 2025 pelo PSOL, pela Associação Brasileira de Enfermagem, Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras e pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, pede pela derrubada da interpretação que limita o procedimento a profissionais de medicina.

Já no 989, entidades da sociedade civil, como a Sociedade Brasileira de Bioética e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, pedem o reconhecimento da violação massiva de direitos fundamentais na saúde pública em razão das barreiras ao aborto legal.

Ambas estavam com relatoria do ministro Edson Fachin, e foram herdadas por Barroso quanto este deixou a presidência da corte e Fachin assumiu o cargo.

Barroso estabeleceu também que os órgãos públicos de saúde não podem criar obstáculos não previstos em lei para a realização do aborto legal, em especial referentes à restrição da idade gestacional e à exigência de registro de ocorrência policial. O ministro ressaltou que há um “verdadeiro vazio assistencial no atendimento de meninas e mulheres vítimas de violência sexual.”

Por ser liminar, a decisão passa a valer imediatamente. Já há, no entanto, maioria de votos para derrubá-la: Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Flávio Dino, Nunes Marques, André Mendonça, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli votaram para não referendar a liminar. Os demais ministros devem depositar seus votos até a próxima sexta-feira (24).

Ao abrir a divergência, o ministro Gilmar Mendes considerou que não há urgência na matéria que justifique a concessão da liminar por Barroso. Mendes afirmou que ambas as ações, anteriormente sob a relatoria do ministro Edson Fachin, tramitavam regularmente.

No caso da ADPF 989, o último andamento processual relevante foi um despacho de agosto de 2023, requisitando novas informações ao Ministério da Saúde. Já na ADPF 1207, proposta em fevereiro de 2025, o então relator, Fachin, havia solicitado informações às autoridades envolvidas e aplicado ao caso o rito legal que permite o julgamento diretamente no mérito.

Agora, com a aposentadoria de Barroso, cabe ao presidente Fachin determinar quando o processo irá para votação, diz a antropóloga Debora Diniz, professora da UnB e uma das mais proeminentes pesquisadoras brasileiras na área de direitos reprodutivos.

Na interpretação da especialista, ambas as ADPFs corrigem apenas uma defasagem histórica do ponto de vista da saúde. “Elas são sobre a assistência de saúde e como melhor oferecer o serviço para aquilo que já está previsto em política pública”, diz.