SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após dois anos, os reféns capturados durante os ataques de 7 de outubro de 2023 foram libertados como parte do acordo de cessar-fogo entre Israel e o grupo terrorista Hamas, que controla Gaza. Ao mesmo tempo, prisioneiros palestinos foram libertados de cadeias israelenses, alguns dos quais estavam detidos há mais de duas décadas.
Como a permanência em cativeiro e em prisões afeta a saúde? Pessoas em privação de liberdade podem apresentar doenças, problemas de locomoção, nos dentes e saúde mental fragilizada.
A permanência prolongada em ambientes pequenos e sem higiene favorece parasitoses de pele, como escabiose (sarna) e pediculose (piolhos), além de infecções cutâneas podem ser graves. Condições precárias de iluminação ou ruído extremo também podem afetar a visão e a audição, embora a escuridão e o silêncio prolongados, por si só, não causem danos permanentes.
Com a ausência de estímulos mecânicos sobre os ossos, músculos, ligamentos e articulações leva a consequências como: hipotrofia (falta de uso do músculo) e fraqueza muscular, redução da mineralização óssea, fragilidade óssea e ligamentar, além de um maior risco de lesões articulares.
Endrigo Emanuel Giordano, clínico geral e intensivista, coordenador da Clínica Médica do Hospital São Luiz Morumbi, da Rede DOr, explica que após dois anos em cativeiro, o corpo fica sem “estímulos mecânicos sobre os ossos, músculos, ligamentos e articulações, o que resulta em hipotrofia e fraqueza muscular, redução da mineralização óssea, fragilidade óssea e ligamentar com consequente maior risco de lesões articulares”.
A desnutrição prolongada promove atrofia das dobras intestinais, ocasionando uma diminuição da capacidade de absorção. “Por este motivo, a reintrodução alimentar deve ser feita de forma lenta e gradual para evitar complicações como diarreia, distensão abdominal, cólicas e vômitos”, explica Giordano.
Essa abordagem gradual para reintrodução nutricional evita o surgimento da Síndrome da Realimentação, distúrbio metabólico caracterizado pela redução severa de eletrólitos (fosfato, magnésio e potássio) na corrente sanguínea.
No caso das mulheres, a ginecologista Ana Paula Fabrício ressalta que o atendimento deve começar por uma avaliação psicológica e ginecológica completa, considerando o risco de violência sexual, infecções e distúrbios hormonais.
Além disso, a falta de acesso a instrumentos básicos de higiene, como escova e pasta de dentes, também pode ter causado danos odontológicos significativos. O cirurgião-dentista Mario Giorgi, membro da Crosp (Comissão de Halitose do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo), explica que, em situações de privação como a vivida por pessoas em cativeiro, “a higiene oral se torna inexistente, e a desnutrição e o estresse agravam o quadro”.
Entre os principais problemas odontológicos: cáries generalizadas que progridem para destruição dental completa e dor intensa, doença periodontal avançada com perda óssea e risco de infecções sistêmicas, abscessos, infecções como candidíase devido à redução da atividade do sistema imunológico, halitose severa e alterações salivares por desequilíbrio da microbiota oral e xerostomia, sensação de boca seca ou ausência de fluxo de saliva.
Giorgi afirma que essas condições exigem um plano de ação odontológico para controle da dor, tratamento de infecções, restauração e reabilitação oral progressiva, sempre com suporte médico e nutricional conjunto.
Em relação a saúde-mental, o médico psiquiatra Márcio Bernik, doutor pelo Departamento de Psiquiatria da USP e coordenador do Programa de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, reforça que “os prisioneiros libertados de Gaza têm grande chance de desenvolver sintomas de estresse pós-traumático, e isso impactará fortemente sua reintegração social”.
O Transtorno de Estresse Pós-Traumático é uma das sequelas mais comuns entre pessoas que viveram longos períodos sob ameaça, tortura ou confinamento, completa o psicólogo Marcos Antonio Lopez Renna. Os sintomas incluem revivência de lembranças dolorosas, esquiva de gatilhos associados ao trauma, alterações emocionais e cognitivas (como culpa, vergonha e irritabilidade) e hiperexcitação, com insônia, tensão e hipervigilância, explica o psicólogo Marcos Antonio Lopez Renna.
Renna ressalta que “libertar-se não significa o fim do sofrimento”, pois muitos enfrentam o desafio de reconstruir a confiança e a sensação de segurança. A liberdade, inicialmente, pode ser angustiante, e a recuperação emocional é lenta, exigindo apoio psicológico, psiquiátrico e familiar contínuo.
Segundo Bernik, “eventos estressantes muito intensos podem gerar consequências que duram o resto da vida”. Estudos com sobreviventes do Holocausto e veteranos de guerra indicam que o tratamento deve ser crônico e interdisciplinar, combinando terapia cognitivo-comportamental, técnicas de reexposição sistemática e uso de medicações específicas, completa .
Ele descreve quatro categorias principais de sintomas do trauma: revivência do evento através de flashbacks, pesadelos e pensamentos intrusivos; evitação persistente de qualquer estímulo associado ao trauma; alterações negativas no humor e na cognição, incluindo embotamento afetivo, culpa e perda de prazer; e, em casos mais graves, sintomas dissociativos que podem manifestar-se como automutilação ou distorções da realidade.
A reconstrução emocional depende de tempo, vínculo e cuidado, completa o psiquiatra. A recuperação não significa apagar o trauma, mas integrá-lo à vida com menos dor, transformando a experiência em aprendizado um processo lento, mas possível com apoio clínico e humano constante.