BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Apesar de ter liberado a perfuração de petróleo na Foz do Amazonas, técnicos do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) destacam os riscos da atividade a peixes-boi ameaçados de extinção e o fato de que foram ignorados os impactos aos povos indígenas.

As informações constam no parecer técnico ao qual a Folha de S.Paulo teve acesso. Ele não vê obstáculos ao empreendimento, e estipula o pagamento de uma compensação ambiental de R$ 39,6 milhões e sugere 34 condicionantes a serem cumpridas.

Estas obrigações constam na Licença de Operação, assinada pelo presidente do órgão, Rodrigo Agostinho, nesta segunda-feira (20) e que autoriza a Petrobras a seguir com a perfuração do Bloco 59 da bacia da Margem Equatorial.

Em outros momentos do processo de licenciamento do bloco, o presidente do Ibama ignorou e driblou pareceres técnicos para dar prosseguimento à análise ambiental.

Desta vez, apesar das ponderações, os especialistas do órgão concluem que “não foram identificados óbices à emissão da Licença de Operação”, e autorizam o empreendimento, desde que cumpridas as condicionantes.

Procurados, Petrobras e Ibama não responderam.

O empreendimento se tornou um dos principais focos de embate interno do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é contra a ampliação de mais uma frente de exploração de petróleo, mas publicamente defendeu que a análise do Ibama deveria ser estritamente técnica.

Por outro lado, o próprio Lula criticou publicamente Rodrigo Agostinho pela demora em autorizar o projeto.

Nomes como o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, também são defensores do empreendimento.

O fato de que os impactos aos povos indígenas foram ignorados é ressaltado em pelo menos dois momentos do parecer, assinado por 9 analistas ambientais do Ibama.

Os técnicos lembram que a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) solicitou durante o processo de licenciamento que fossem avaliados, já no EIA/RIMA (o principal mecanismo de controle ambiental), os possíveis efeitos de sobrevoos de aviões na região.

A fundação pedia também que, a depender do resultado dessa análise, fossem exigidas a “proposição de ações e medidas de mitigação, controle e compensação dos impactos, se necessários, de acordo com as especificidades das terras e culturas indígenas afetadas”.

Porém, ressaltam os técnicos, um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), de 2024, “impediu que fossem executadas as solicitações” da fundação e desobrigou que estes fatores fossem considerados no licenciamento.

Assim, o projeto foi aprovado “com exceção dos impactos sobre comunidades indígenas do município de Oiapoque (AP)”.

Além disso, grande parte da avaliação dos técnicos é sobre o impacto sobre peixes-boi, espécies em ameaça de extinção.

“Apesar da atividade de perfuração de poços exploratórios pela Petrobras no Bloco FZA-M-59 se concentrar em águas profundas e distantes da costa, é fato que todo o aparato e movimentação de embarcações e aeronaves a serviço da companhia interagem com as áreas de ocorrência e distribuição de peixes-boi nos estados do AP e PA”, afirma o documento.

Os ambientalistas destacam que há no mundo três espécies vivas deste animal, duas delas na região do Amapá: peixe-boi-marinho e o peixe-boi-da-amazônia.

Os ambientalistas destacam ainda que, nos últimos anos, houve um aumento nos registros de encalhes deste animais, sobretudo de recém nascidos, o que gera preocupação quanto a continuidade dessas populações que “já se encontram ameaçadas de extinção”

O órgão menciona que as estações para cuidado destes animais ficam no Pará, onde vivem atualmente 55 peixes-boi em reabilitação.

A principal dessas estruturas, porém, é a ZooUnama e atualmente está superlotada. Outra, parceria da Universidade Federal do Pará com o Instituto Bicho d’Água, está em fase final de construção.

Já no Amapá vivem atualmente 5 peixes-boi em cativeiro, mas alguns em “recintos de dimensões inadequadas, e sem uma estratégia estabelecida para soltura”.

O órgão ressalta que a indústria petroquímica direciona recursos para financiar projetos de proteção ao animal, mas que é necessária a ampliação desta rede de cuidado.

O Ibama exige que a Petrobras apresente, em até 30 dias, um plano de ação para atenção aos peixes-boi, busque parcerias com outras instituições, disponibilize sua estrutura em Oiapoque para atender esta espécie e viabilize técnicas para aclimatação e soltura dos que hoje estão em cativeiro.

“A indústria de petróleo em expansão em nova fronteira exploratória na Margem Equatorial brasileira traz consigo riscos e impactos diretos ou indiretos sobre os organismos aquáticos, cabendo sua participação ativa em iniciativas regionais voltadas à geração de conhecimento e ao manejo de espécies ameaçadas e vulneráveis aos empreendimentos petrolíferos”, afirmam os técnicos.

Dentre as condicionantes exigidas pelo Ibama está o cumprimendo de uma série de planos de emergência e proteção à fauna e à flora.

O parecer destaca que o principal barco de apoio que ficará no Pará poderia demorar 55 horas para chegar a um possível vazamento, mas que uma unidade mais rápida destacada pela Petrobras poderá fazer o primeiro atendimento em 26 horas.

Também são feitas outras ponderações, por exemplo, sobre o fato de que a modelagem de dispersão de óleo usada para prever o impacto de um possível vazamento precisa ser aprimorada, justamente com os dados coletados pela atividade de perfuração.

O Ibama também exige seja disponibilizada uma plataforma onde possam ser baixadas as informações sobre os barcos utilizados pela empresa no empreendimento.