SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A pane nos serviços de nuvem da Amazon deixou mais de 500 sites e aplicativos fora do ar nesta segunda-feira (20) no Brasil e em vários países, mesmo com a falha tendo ocorrido em uma central da empresa no leste dos EUA.
A situação expôs a dependência que muitos serviços populares têm de algumas empresas, como já havia sido visto no ano passado, quando uma falha em uma atualização automática da CrowdStrike causou um apagão em centenas de aeroportos, hospitais e outros serviços públicos em todo o mundo.
Nesta segunda-feira, a pane atingiu empresas no Brasil como Mercado Livre, PicPay e iFood. Serviços da Amazon, como o PrimeVídeo e a Alexa, plataformas financeiras, de jogos populares (Fortnite, Roblox e outros), redes sociais como o Snapchat e até sites de vendas de ingressos do time inglês de futebol Tottenham também ficaram fora do ar.
Segundo o jornal The New York Times, McDonald’s e WhatsApp foram afetados nos EUA.
A Amazon inicialmente relatou um problema “operacional” na central da Virgínia do Norte, que levou a um aumento na taxa de erros e causou lentidão no acesso do usuários aos sites e apps que são atendidos pela AWS.
“O problema afeta o mundo inteiro, pois a AWS divide o mundo em regiões (como US-East-1, SA-East-1, EU-West-1, etc.), e dentro delas há zonas de disponibilidade. Em teoria, cada região é isolada. Mas, na prática, muitos serviços e aplicações dependem da US-EAST-1”, diz Jesaias Arruda, vice-presidente da Abranet (Associação Brasileira de Internet).
A US-East-1 é justamente a central da Virgínia do Norte, onde houve a pane. O mesmo local já havia apresentado problemas em 2020 e 2021, que também afetaram inúmeros sites.
De acordo com Arruda, a US-East-1 é a região mais antiga da AWS e boa parte dos serviços oferecidos pela empresa têm a maioria de sua infraestrutura no local. Além disso, é a central usada quando um sistema não especifica qual é a sua região.
A queda dessa central também causa um efeito cascata no sistema de autenticação, que é usado como segurança da rede, e ainda no SaaS (software como serviço, modelo em que os aplicativos estão na nuvem). “Mesmo que sua infraestrutura esteja toda no Brasil, se você usa algum SaaS que dependa da AWS US-EAST-1, ele também para”, afirma Arruda.
A AWS conta com milhares de clientes que dependem dela para operações complexas, exigentes e intensivas em dados, incluindo streaming de vídeo, execução de aplicativos web e armazenamento de enormes quantidades de informações digitais. A divisão de computação em nuvem da Amazon estabeleceu infraestrutura em todo o mundo, permitindo que as empresas tornem seus produtos acessíveis a clientes no planeta. Ao usar o serviço da Amazon em vez de construir o próprio, os clientes podem aumentar ou diminuir a escala sem precisar investir pesadamente em hardware caro.
Harry Halpin, CEO da NymVPN, um serviço de rede privada virtual, afirmou ao jornal The New York Times que as operações das plataformas em nuvem são “opacas”, o que torna impossível conhecer a causa a menos que a Amazon a divulgue, mesmo que tenha sido um ataque cibernético, hipótese que ainda não foi descartada para a pane desta segunda-feira.
Halpin, cuja empresa fornece serviços de VPN para soldados na Ucrânia, comentou que acordou com vários emails de soldados na linha de frente perguntando o que havia causado a interrupção. O problema se estende além da Ucrânia e se aplica a outros governos ocidentais, muitos dos quais dependem de tais serviços em nuvem.
“Se toda a infraestrutura de sua nação depende de alguns provedores, todos nos Estados Unidos, e qualquer coisa pode falhar a qualquer momento, seja por razões maliciosas ou apenas erros técnicos, essa é uma situação extremamente perigosa”, avaliou.
“Quando um único provedor fica fora do ar, serviços críticos ficam offline junto com ele”, indicou Corinne Cath-Speth, chefe de digital da Article 19, um grupo de defesa da liberdade de expressão. “A infraestrutura que sustenta o discurso democrático, o jornalismo independente e as comunicações seguras não pode depender de um punhado de empresas”, acrescentou.
Mehdi Daoudi, fundador da Catchpoint, empresa de monitoramento de desempenho da internet, recordou que, há duas décadas, muitas empresas tinham seus próprios data centers. Segundo ele, hoje a maioria depende de Amazon, Google, Microsoft ou empresas chinesas para serviços em nuvem.
A pane desta segunda-feira já fez com que políticos solicitassem uma diminuição na dependência de poucas empresas para a prestação dos serviços de nuvem.
Alexandra Geese, integrante do Parlamento Europeu pela Alemanha, disse que dados críticos europeus e infraestrutura digital deveriam ser hospedados na Europa, por empresas europeias sob jurisdição da UE.
“(A paralisação foi um) forte lembrete de que a soberania digital da Europa não é um conceito abstrato, mas uma questão de segurança e resiliência”, comentou.