SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – A prisão para onde foi levada a arquiteta brasileira Daniela Marys Oliveira, no Camboja, é conhecida pela superlotação severa, pelas más condições sanitárias e por registros de mortes e inundações que já obrigaram a evacuação de centenas de presos.

A penitenciária de Banteay Meanchey, no norte do Camboja, abriga mais que o dobro da capacidade. Relatórios da ONG Licadho (Liga Cambojana para Promoção e Defesa dos Direitos Humanos) apontam que algumas unidades do país operam com até 200% da lotação, e que a prisão de Banteay Meanchey figura entre as mais críticas.

Em 2013, uma inundação atingiu o local, e 842 detentos precisaram ser transferidos às pressas depois que a água subiu até o pescoço deles. Em 2020 e 2021, chuvas de monção voltaram a inundar o complexo e provocaram novas remoções, afetando mais de 1.600 prisioneiros, segundo a imprensa local. Organizações internacionais como a Penal Reform International e o Escritório da ONU para Drogas e Crime confirmam que as prisões cambojanas sofrem com infraestrutura precária e vulnerabilidade climática.

Celas lotadas, sem saneamento básico e com alimentação paga são parte da rotina descrita por familiares de detentos. Segundo parentes da brasileira, a cela abriga cerca de 90 mulheres, e os presos precisam comprar comida e remédios dentro do presídio. O sistema cambojano, de modo geral, enfrenta superlotação crônica, falhas de ventilação e escassez de atendimento médico, segundo relatórios da Anistia Internacional e da ONU.

A situação sanitária agrava riscos à saúde e à integridade física dos presos. A Anistia e o Escritório de Direitos Humanos da ONU relatam surtos de doenças respiratórias, calor extremo e ausência de ventilação adequada nas celas. O Departamento de Estado dos Estados Unidos também classifica as prisões do país como “duras, com alimentação e higiene insuficientes”.

Em março deste ano, um preso de 22 anos morreu após demora no atendimento médico. O caso de Leap Chantha, divulgado pela imprensa local, revelou falhas de socorro e motivou protestos da família, que alegou não ter sido notificada pela direção do presídio. O jovem havia cumprido pouco mais de um ano de pena por posse ilegal de armas e morreu de insuficiência cardíaca e falta de oxigenação cerebral.

A administração negou negligência e divulgou nota oficial após repercussão nas redes sociais. Segundo reportagem do Khmer Times, o presídio afirmou que o vídeo sobre o caso “distorcia os fatos” e que o preso foi levado à clínica interna logo após relatar mal-estar, sendo transferido no mesmo dia ao Hospital de Amizade Camboja-Japão, onde morreu no dia seguinte. A direção informou ter tentado contato com a família e atribuiu a morte a um quadro súbito de doença cardíaca.

Casos de corrupção também já atingiram a direção da unidade. Em fevereiro de 2022, o mesmo jornal revelou que o chefe do Departamento Prisional de Banteay Meanchey, Ung Siphan, foi investigado pelo Ministério do Interior sob suspeita de corrupção e nepotismo. Segundo a apuração, 21 funcionários apresentaram queixa contra ele por favorecer parentes e desviar recursos. O ministério confirmou a investigação e prometeu medidas disciplinares.

ENTENDA O CASO

Daniela Marys Oliveira, 35, foi presa no Camboja após denunciar falsa proposta de emprego. Formada em arquitetura e urbanismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), ela morava em João Pessoa (PB) quando recebeu, por aplicativo de mensagens, uma oferta para trabalhar com telemarketing e tradução no país asiático. Segundo a família, o contrato seria temporário, de seis meses a um ano, e o objetivo era juntar dinheiro antes de retornar ao Brasil.

Logo após desembarcar, Daniela teve o passaporte retido e passou semanas confinada em um complexo privado. O local, próximo à fronteira com a Tailândia, era descrito como um conjunto de prédios controlado por máfias de golpes virtuais. Ela teria sido obrigada a participar das fraudes, mas se recusou a continuar quando descobriu o verdadeiro propósito do trabalho. A família acredita que, ao tentar sair, ela se tornou alvo de uma armação e acabou presa.

A detenção ocorreu em março, quando policiais alegaram ter encontrado drogas em sua bolsa. A acusação original foi de tráfico, depois reduzida para posse e uso de entorpecentes. A família não foi informada sobre a substância apreendida e acredita que o material tenha sido plantado para incriminá-la.

Após a prisão, criminosos usaram o celular de Daniela para extorquir a família. Os golpistas se passaram por ela em mensagens, exigindo o pagamento de uma multa para libertá-la. Cerca de R$ 27 mil foram transferidos antes que os parentes percebessem a fraude. A vítima relatou que o episódio ocorreu logo depois de ela se recusar a participar dos golpes no complexo.

O julgamento foi marcado para 23 de outubro, e a família pede presença de representantes do governo brasileiro. O Itamaraty confirmou que o caso é acompanhado pela Embaixada do Brasil em Bangkok, responsável por gestões diplomáticas e pela assistência consular cabível às vítimas de tráfico humano no exterior.