FORTALEZA, CE (FOLHAPRESS) – Um conflito entre facções criminosas transformou o distrito de Uiraponga, em Morada Nova (a 166 km de Fortaleza), em um vilarejo deserto, no Ceará.
Há cerca de dois meses, 300 famílias (ou aproximadamente 2.000 pessoas) tiveram que deixar suas casas, segundo elas, após ameaças de integrantes de grupos criminosos.
Desde então, o posto de saúde teve suas atividades suspensas, alunos foram realocados para outras escolas e, embora a Polícia Civil do Ceará afirme que a situação na região está sob controle, as casas seguem vazias.
Um ex-morador de 70 anos, que agora se instalou em uma comunidade chamada Castelo, próxima ao rio Banabuiú, contou à reportagem que sempre morou no lugar e mantinha criação de gado de leite, com venda diária do produto.
Quando começaram as ameaças, porém, precisou vender o gado por um preço bem baixo e às pressas. Com medo, ele não tem mais intenção de voltar.
Segundo a Polícia Civil, o conflito começou quando José Witals da Silva Nazário, conhecido como Playboy, rompeu com a facção Guardiões do Estado, originária do Ceará, e aliou-se ao TCP Cangaço, braço do Terceiro Comando Puro, do Rio de Janeiro.
Desde então, Witals passou a enfrentar o antigo aliado do GDE, Gilberto de Oliveira Cazuza, o Mingau, então chefe do tráfico local, que segue foragido.
Ao lado de Márcio Jailton da Silva, o Piolho, Witals traçou uma campanha de intimidação que incluiu mensagens pelas redes sociais e ordens para que famílias abandonassem suas casas, ainda de acordo com as forças de segurança.
Segundo outro morador, o grupo tinha uma estrutura organizada, com “diferentes agentes” encarregados de assassinatos e de espalhar o medo.
Playboy foi preso em julho em São Paulo. Ele possui uma ficha criminal com três passagens por homicídio doloso. Questionada, a Polícia Civil não informou o nome do advogado de defesa dos dois detidos.
A reportagem não conseguiu acesso às defesas dos homens apontados como líderes das facções.
Um dos ápices do confronto ocorreu em 3 de julho, com o assassinato de José Audivan Bezerra de Freitas, de 50 anos. Após a invasão da casa seguida por disparos, o corpo da vítima foi arrastado e exibido na praça principal de Uiraponga, prática comum de amedrontamento desses grupos.
De acordo com relato de uma moradora da região central de Morada Nova, o fluxo de pessoas vindas de Uiraponga se intensificou no último mês.
Ela conta que muitas pessoas estão em casas de parentes ou foram acolhidas em casas de apoio ligadas à prefeitura. Há também voluntários, de igrejas, por exemplo, para levar cestas básicas, roupas e produtos de limpeza a essas famílias.
Em entrevista à imprensa no último dia 7, a vice-governadora do Ceará, Jade Romero (MDB), reiterou a atuação conjunta do governo do estado com a prefeitura do município para pensar na retomada das atividades em Uiraponga.
“O próximo passo será um plano para dialogar com as pessoas que moravam lá. Vamos anunciar uma série de ações para a retomada do distrito com tranquilidade”, disse.
Questionada sobre quando este plano seria posto em prática, a prefeita de Morada Nova, Naiara Castro (PSB), não se manifestou.
Em nota, a prefeitura afirmou ter implantado dois pontos de atendimento para atender a população excedente no centro e que realiza visitas regulares às poucas famílias que permaneceram no distrito.
Questionada sobre a situação em Uiraponga, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará citou a Operação Regnum Fractus, que cumpriu 11 mandados de prisão preventiva com o intuito de combater a atuação de grupos criminosos nas cidades de São João do Jaguaribe, Limoeiro do Norte e Morada Nova.
Em nota, a pasta também mencionou a prisão de José Witals, o Playboy, que foi encontrado em 28 de julho, em São Paulo.
Com a prisão do responsável pelas expulsões na região, e sob a presença de uma viatura de Força Tática atuando 24 horas por dia no distrito, em teoria, a situação parece estar sob normalidade para o retorno das famílias.
Contudo, segundo Jania Perla, coordenadora científica do LEV (Laboratório de Estudos da Violência) da UFC (Universidade Federal do Ceará), para que as pessoas voltem com segurança, é preciso não só prisões, mas também sinais de trégua entre os grupos rivais.
“Ali há uma intersecção entre uma dinâmica criminal marcadamente urbana das facções e uma violência tradicional no interior, caracterizada por brigas entre famílias e vinganças”, diz a pesquisadora.
“As pessoas se conhecem há décadas, sabem onde moram os familiares umas das outras. Mesmo que os principais traficantes sejam presos, continuam existindo pessoas ligadas a eles na comunidade. Isso torna difícil o retorno das famílias, que se sentem vulneráveis.”