BRASÍLIA, DF, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a diretoria da Petrobras entraram em um impasse sobre a definição do próximo plano de investimentos da petroleira, que incluirá o ano eleitoral de 2026. Enquanto os executivos defendem que o programa seja revisto diante da queda do preço do petróleo, a gestão petista resiste a cortes nos números.
De acordo com relatos feitos à Folha de S.Paulo, o tema deve se tornar a principal discussão na reta final do ano no conselho da Petrobras -que reúne tanto indicados pelo governo como representantes dos minoritários. Manter os investimentos mesmo com menores receitas pode gerar mais dívidas e menos pagamento de dividendos aos acionistas (entre eles, inclusive, a própria União).
Lula fala durante anúncio de investimentos da Petrobras no RJ; ao fundo (dir.), Chambriard ouve discurso Mauro Pimentel – A discussão ganhou ainda mais relevância depois do acordo entre Israel e Hamas, o que reduziu tensões no Oriente Médio e fez cair no mercado internacional o preço do petróleo -principal variável das receitas da Petrobras.
O barril do tipo Brent fechou a última sexta-feira (17) cotado a US$ 61,33, 16% abaixo do valor observado um ano atrás.
Também tem baixado o preço do petróleo o recrudescimento da guerra comercial entre Estados Unidos e China, que aumenta preocupações com uma desaceleração econômica global e uma consequente diminuição na demanda por energia.
A AIE (Agência Internacional de Energia) afirmou neste mês que o mercado mundial de petróleo deve enfrentar um excedente ainda maior, no próximo ano, do que é atualmente observado.
O plano da Petrobras aprovado no fim do ano passado prevê US$ 111 bilhões de investimentos para o horizonte de 2025 a 2029. O valor é 4,7% maior, em termos reais, do que o plano anterior (que ia de 2024 a 2028).
Do total previsto, US$ 98 bilhões são de projetos em implantação que, em tese, já tiveram sua financiabilidade testada. A maioria é na área de exploração e produção, o que inclui busca por novas reservas.
Outros US$ 13 bilhões são projetos em avaliação, que precisam passar por uma avaliação adicional para se mostrarem financiáveis. De acordo com a Petrobras, o objetivo é não comprometer a sustentabilidade da companhia. Entre eles, está um investimento na produção de querosene sustentável de aviação a partir de etanol.
As conversas agora definirão as cifras para o período de 2026 a 2030, e os analistas aguardam o anúncio para reavaliarem o retorno esperado para quem tem ações da petroleira. Procurada, a assessoria de imprensa da Petrobras afirmou que a empresa não iria comentar.
Lula disse neste mês estar “convencido de que a Petrobras ainda não deu tudo o que ela tem que dar ao povo brasileiro”. Em discurso durante evento na Bahia, disse à atual CEO da Petrobras, Magda Chambriard, que a executiva tem a missão de superar a gestão de um antigo presidente da empresa, Sérgio Gabrielli.
Em seguida, disse que ameaçou demitir o então executivo caso não fosse contratada a construção de navios-sonda no Brasil. “Briguei muito com ele”, disse Lula. “Ele era um que tinha dúvida se ia fazer sonda aqui, porque ninguém consegue fazer sonda, porque é mais fácil fazer [em outro país]. Eu falei ‘mais fácil o cacete'”.
“É mais fácil para a Petrobras, ela vai economizar US$ 50 milhões. Mas se gerar emprego aqui, eu vou gerar conhecimento tecnológico, vou gerar mão de obra, vou gerar salário, vou gerar imposto e vou gerar a coisa mais sagrada que é emprego”, afirmou Lula, narrando que o então executivo acabou aceitando a tarefa (a Sete Brasil, criada para entregar os navios, teve falência decretada sem entregar nenhum). Chambriard assistiu à fala do mandatário do palco.
Sem citar nomes, Lula ainda afirmou que a petroleira foi desmontada no passado com o argumento de que “ela não precisava de investimento” e disse que a paralisação de um estaleiro como aquele, o Enseada (na cidade baiana de Maragogipe), significou “matar gente de desespero”. “É isso que eles gostam de fazer. E é isso que eu acho que não deve ser feito”, disse.
A diretoria da Petrobras, incluindo Chambriard, havia afirmado dois meses antes que o programa de investimentos seria revisto diante da queda do petróleo.
A CEO afirmou a investidores que projetos quase prontos e maduros para execução haviam entrado em reavaliação. “Quando nós olhamos para eles em um novo patamar de preço, eles voltaram para o portão dois [fase anterior] para serem otimizados, exatamente por conta do preço do petróleo”, afirmou a executiva em teleconferência com analistas sobre os resultados do segundo trimestre, em 8 de agosto.
Um dos projetos citados, por exemplo, foi a retomada da produção de petróleo em terra em um polo na Bahia que havia sido posto à venda no governo Jair Bolsonaro (PL). A possível desistência desse investimento, no estado do ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, gerou protestos de sindicatos.
A visão de Magda foi corroborada na conversa pelo diretor financeiro da Petrobras, Fernando Melgarejo. “[No plano 2026-2030] vamos ter que reavaliar alguns projetos. Na verdade, vamos reavaliar todas as premissas e, com isso, colocar essas premissas nos projetos e identificar aqueles que são viáveis”, disse ele.
“Os que não passarem na nossa régua, por certo, ficarão pelo caminho ou serão postergados ou buscaremos alternativas de engenharia que barateiem esse Capex [valor de investimento] para ele ser viável financeiramente”, afirmou Melgarejo.
Pouco depois, em 18 de agosto, Magda reiterou a visão. “Vamos sim adaptar o nosso planejamento estratégico à realidade de um mercado que hoje trabalha com o preço de um produto, que é o que nós vendemos, a menor. Não podemos deixar de fazer isso”, afirmou ela à agência Eixos.
Na semana passada, em meio às discussões, Chambriard publicou em rede social um gráfico que mostra a queda do petróleo desde meados de setembro. “Uma figura vale mais do que muitas palavras”, escreveu, sem detalhar.
O ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) afirmou em julho à Folha que Chambriard equilibra interesses de investidores e da União e que as divergências dele com o CEO anterior, Jean Paul Prates, diziam respeito a investimentos em certas áreas.
“Na campanha eleitoral, ele [Lula] fez alguns compromissos. Eu entendia que um deles era exatamente aumentar os investimentos da Petrobras em fertilizantes, o que tem sido feito agora, aumentar a capacidade da Petrobras, ampliar o fornecimento de gás para reindustrializar o Brasil. Investimentos que eram fundamentais. A Petrobras precisa se revigorar cada vez mais”, disse.
O Itaú BBA publicou neste mês um relatório em que classifica a possibilidade de uma redução nos investimentos em 2026 como um ponto central de debate sobre a empresa. “O sentimento dos investidores tem sido misto: enquanto alguns acreditam na concretização desse cenário [redução dos dispêndios], outros permanecem céticos”, afirma a equipe da analista Monique Martins Greco Natal.