SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um cirurgião em São Paulo realizou uma cirurgia robótica a distância em um paciente atendido a mais de mil quilômetros, em Porto Alegre. O procedimento, feito para tratar um câncer de próstata, foi bem-sucedido, e o paciente de 73 anos teve alta no dia seguinte.

O procedimento, acompanhado pela Folha de S.Paulo na capital paulista, ocorreu no dia 6 deste mês, entre o Hospital Nove de Julho (SP) e o Hospital Mãe de Deus (RS). A conexão foi feita por meio de fibra óptica, embora a tecnologia também permita o uso de 5G.

O sistema robótico funciona como uma extensão das mãos do cirurgião, que controla os movimentos a partir de um console. Equipado com braços mecânicos e uma câmera que amplia a imagem em até 20 vezes, o aparelho se divide em duas partes: uma posicionada sobre o paciente, que acessa os órgãos por pequenos cortes, e outra, de onde o médico comanda os movimentos a distância ou na mesma sala cirúrgica.

Segundo o urologista Rafael Coelho, cirurgião que operou em São Paulo, a principal preocupação era garantir a conectividade, para evitar atraso entre o movimento e sua execução na outra cidade. Esse intervalo foi de apenas 30 milissegundos, praticamente imperceptível.

“Conseguimos operar como se eu estivesse ao lado do paciente na mesma sala de cirurgia”, diz.

O procedimento foi uma remoção da próstata para tratar um tumor localizado de agressividade intermediária, detectado precocemente por exame de sangue que mede os níveis de PSA, uma proteína produzida pela próstata. Segundo Coelho, mais de 90% dos pacientes com esse perfil ficam livres do tumor apenas com a cirurgia.

Ele destaca que a plataforma robótica permite preservar estruturas sensíveis ao redor da próstata, o que reduz riscos de complicações que afetam a qualidade de vida, como incontinência urinária e disfunção erétil.

“Com a imagem tridimensional e instrumentos miniaturizados que reproduzem com precisão os movimentos da minha mão, conseguimos otimizar os resultados para o paciente.”

Para a cirurgia entre São Paulo e Porto Alegre, os dois hospitais tinham uma equipe capacitada para assumir o procedimento em caso de necessidade. Mas, para o futuro, a telecirurgia permite levar médicos especializados a locais sem esses profissionais. Coelho também vê grande potencial na tecnologia para telementoria e ensino a distância.

“Com o console, posso orientar cirurgiões em treinamento remotamente, garantindo segurança mesmo nos primeiros procedimentos deles. Isso vai permitir expandir o acesso à robótica para mais pacientes, mesmo em hospitais sem especialistas experientes”, afirma.

Para Carlos Eduardo Domene, secretário-geral da Sobracil (Sociedade Brasileira de Videocirurgia, Robótica e Digital) e professor da USP (Universidade de São Paulo), o próximo desafio é levar a tecnologia ao sistema público de saúde.

“O SUS tem estrutura descentralizada e profissionais espalhados pelo país. Se for implementado dentro de um projeto de governo, pode funcionar muito bem, permitindo que centros de excelência atendam pacientes em locais remotos”, afirma.

Ele ressalta, no entanto, que o principal entrave está no custo dos robôs, avaliados entre US$ 2 milhões (R$ 10,8 milhões) e US$ 3 milhões (R$ 16,2 milhões), e na necessidade de infraestrutura estável de conexão.

O aposentado Paulo de Almeira, 73, foi o paciente operado em Porto Alegre. O diagnóstico foi feito há pouco mais de um mês. Ele conta que não precisou tomar medicamentos para dor e não passou por quimioterapia ou radioterapia.

O câncer de próstata tratado por Almeida é hereditário, transmitido de geração em geração em sua família. O irmão dele morreu há cerca de 12 anos devido ao tumor, descoberto em estágio avançado.

O aposentado diz ter ficado impressionado com a tecnologia de telecirurgia, feliz e agradecido pela recuperação. Ele já conseguiu retomar atividades leves, como caminhadas pelo bairro.

A cirurgia foi feita com o sistema robótico Toumai, da empresa chinesa Microport, aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em agosto de 2024.

O Hospital Nove de Julho afirma que o procedimento é o primeiro do tipo não experimental feito a distância na América Latina –título também reivindicado por outra equipe brasileira, que realizou uma operação semelhante entre Paraná e Kuwait no mês passado.

O paciente foi operado no dia 23 de setembro no Hospital Cruz Vermelha, em Curitiba, em uma cirurgia de hérnia inguinal comandada por um médico brasileiro enviado para o Hospital Jaber Surgery, no Kuwait. O procedimento também foi bem-sucedido.

O feito entrou no último dia 3 no Guinness Book, o livro mundial dos recordes, como a telecirurgia robótica de maior distância já registrada, de 12 mil km, entre médico e paciente. A operação superou o recorde anterior feito entre Marrocos e China.

A ferramenta utilizada para a telecirurgia foi o robô cirúrgico MP1000, da empresa chinesa Edge Medical, e foi utilizada fibra óptica para a conexão. O atraso entre o comando do médico e o movimento foi de 155 milissegundos.

Segundo Domene, o atraso máximo aceitável na telecirurgia robótica é de 200 milissegundos, um intervalo praticamente imperceptível ao olho humano.