BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Rodrigo Paz Pereira emergiu como a grande surpresa das eleições bolivianas de 2025. Com pouco mais de 32% dos votos no primeiro turno, conseguiu meter-se no segundo turno que, em teoria, parecia pertencer ao empresário Samuel Doria Medina. Uma virada política surpreendente que agora o colocará na cadeira presidencial do Palácio Quemado como um dia ocorreu com seu pai, Jaime Paz Zamora (1989-1993).
Com Paz, agora, termina o ciclo de comando do esquerdista MAS (Movimento ao Socialismo). Entretanto, sua vitória, se olhada com lupa, deve muito ao movimento fundado por Evo Morales. Afinal, seu vice-presidente, o ex-policial Edman Lara, fez uma campanha de estilo populista, quase aparecendo mais do que Paz, e defendeu muitas das bandeiras parecidas às do MAS. Quando a Folha conversou com Evo, há poucas semanas, o ex-mandatário disse: “Paz subiu muito por causa de Lara, e Lara subiu muito porque está propondo os meus programas”.
Rodrigo Paz nasceu em exílio na Espanha, em Santiago de Compostela, durante períodos de instabilidade política vivida na Bolívia no fim dos anos 1960.
Sua mãe, Carmen Pereira Carballo, é espanhola, o que reforçou seu caráter transnacional desde cedo, mas também gera críticas, pelo fato de ele não ter crescido em solo boliviano.
Criado em um ambiente de constante deslocamento -sua família viveu em muitos países em razão da perseguição política–, Paz tenta traduzir essa vivência em retórica internacional e exibe habilidade em vários idiomas.
Nos últimos meses de campanha, circulou por dezenas de municípios, repetindo que não era “um candidato de seis meses”. “Minha vivência política vem de toda a minha vida.”
Paz construiu sua carreira em escala local antes de mirar a Presidência. De 2002 a 2010 foi deputado por Tarija, distrito tradicionalmente ligado a sua família e hoje de tendência mais anti-Evo.
Depois, migrou para a política municipal: presidiu o Conselho Municipal de Tarija (2010-2015) e assumiu a prefeitura local de 2015 a 2020. Em 2020, tornou-se senador por este departamento.
Durante seu mandato como prefeito, enfrentou acusações por um projeto de uma ponte aparentemente superfaturada, e apelidada de “Puente Millonario”, tendo sido investigada por supostas irregularidades contratuais. Nada ficou provado, mas esse episódio é apontado como ponto frágil em sua trajetória administrativa.
No Senado, adquiriu visibilidade defendendo a descentralização e a autonomia departamental, propostas que ecoam no discurso de dividir o poder entre governo central e estados -algo que o MAS sempre foi contra.
Paz se define como um “moderado pragmático”. Em declaração recente, apresentou sua fórmula de “capitalismo para todos”:
“Será um governo pragmático, tão pragmático e diverso quanto o povo boliviano”, afirmou.
Durante a campanha, Paz esteve buscando mesclar estímulos ao setor privado com a manutenção de políticas sociais -os tais que Evo Morales reivindica como seus. O ex-mandatário disse à Folha nas últimas semanas: “sem minhas políticas, a candidatura Paz/Lara não existe”.
Enquanto Quiroga propunha um ajuste ao “estilo Milei”, Paz diz que não haverá rupturas abruptas em suas políticas.
O discurso de Paz enfatiza compatibilizar crescimento com inclusão, equação difícil em um país com inflação alta, escassez de divisas e a atual grave crise energética.
Sua aliança com Edman Lara como vice também agregou a bandeira anticorrupção: Lara é ex-policial que denunciou irregularidades internas e saltou ao protagonismo público justamente por esse perfil de denunciante.
Rodrigo Paz não perde de vista os obstáculos. O país atravessa desequilíbrios macroeconômicos severos: reservas cambiais minguantes, escassez de gás e falta de dólares.
Derrubar subsídios sem gerar choque social será um teste complexo. Sua ambiguidade em alguns aspectos é criticada por analistas: há quem veja nessas evasivas programáticas uma arma política, mas o certo é que traz muita insegurança a alguns setores.
Paz terá de negociar no Congresso para viabilizar reformas, uma vez que a renovação da Casa dá mais margem de manobra a quem serão seus opositores.
Para seus eleitores, Paz representa a esperança de conciliar mudança e estabilidade. Não se mostrou como alguém radical, e esteve mais perto da população rural e andina que Quiroga. É a eles, portanto, que deveria mostrar resultados mais tangíveis.