BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Com o objetivo de aprimorar as análises sobre operações suspeitas de lavagem de dinheiro, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) reforçará o seu quadro funcional com servidores cedidos pelas áreas de segurança pública dos estados.
Em paralelo, o órgão –vinculado administrativamente ao Banco Central, embora disponha de autonomia técnica e operacional– prevê trocar o sistema usado para elaboração dos chamados RIFs (relatórios de inteligência financeira) para outro modelo, com uso de inteligência artificial. O novo recurso deve começar a funcionar no ano que vem.
A primeira leva de servidores será composta por 12 pessoas. A seleção é capitaneada pela Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, segundo informações obtidas pela Folha.
A ideia é que esses servidores atuem no setor de inteligência do órgão responsável pela elaboração dos RIFs e, posteriormente, levem a expertise adquirida de volta aos estados de origem.
Esse modelo de trabalho já é adotado pela pasta comandada pelo ministro Ricardo Lewandowski. A prática foi iniciada na gestão Michel Temer (2016-2018) após a criação do então Ministério da Segurança Pública.
A área responsável pelos relatórios conta hoje com nove funcionários e, com a chegada dos reforços, passará a ter 21 pessoas. No total, o Coaf tem atualmente 103 servidores em atividade, número considerado insuficiente internamente.
Desde junho, o órgão está sob comando de Ricardo Saadi, ex-diretor da Polícia Federal na área de combate ao crime organizado e à corrupção. Ele aceitou o cargo após receber do Banco Central promessa de mais investimentos.
A falta de pessoal também vem sendo apontada como problema no BC. Como mostrou a Folha, existe um diagnóstico entre auditores da autoridade monetária de que essa é uma das brechas na guarda do sistema de pagamentos instantâneos, infraestrutura por trás do Pix.
Uma das prioridades da gestão de Saadi é a criação de um novo sistema com uso de inteligência artificial para elaboração dos RIFs. A ideia é melhorar a filtragem, o cruzamento de dados e a identificação de padrões nos documentos. Há expectativa de que isso ajude a aprimorar as investigações, inclusive aquelas relacionadas ao crime organizado.
A tecnologia é vista por membros do órgão como essencial para o aprimoramento do trabalho. Todas as comunicações recebidas hoje passam por um sistema tecnológico antes de serem analisadas por um servidor. O Coaf recebe, em média, 7,5 milhões de comunicações por ano. Deste total, apenas cerca de 2% são avaliadas como atípicas e repassadas a órgãos de investigação.
O novo sistema está sendo desenvolvido em diálogo com outros órgãos, para incorporar diferentes demandas e ampliar sua eficácia.
Como mostrou a Folha, as polícias civis, ligadas aos governos estaduais, têm intensificado o acionamento do Coaf na busca por informações financeiras para apoiar investigações criminais.
A comunicação entre os estados e o Coaf é feita por meio dos chamados intercâmbios, nos quais o órgão pode atuar de forma proativa, enviando relatórios, ou responder a requisições encaminhadas pelos próprios estados.
Esses intercâmbios podem ou não resultar na disseminação de RIFs. Os documentos costumam subsidiar investigações a partir da identificação de movimentações bancárias consideradas atípicas.
Em 2024, o número de relatórios de inteligência financeira apresentou um aumento de 16% em relação a 2023. Os estados com maior volume de pedidos foram São Paulo, Distrito Federal e Minas Gerais.
O STF (Supremo Tribunal Federal) já decidiu, em um julgamento de 2019, que o Coaf e a Receita Federal podem compartilhar informações sigilosas com órgãos de investigação criminal sem autorização judicial prévia.
Apesar disso, ainda há controvérsia sobre o caminho inverso –ou seja, se polícias e Ministérios Públicos podem, sem aval judicial, solicitar os RIFs.
Relatórios de inteligência financeira sob requisição já foram usados em casos de repercussão no país, como os dos ataques de 8 de Janeiro e da trama golpista que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), além de ações a respeito de facções criminosas como o PCC (Primeiro Comando da Capital).
Em agosto, decisões dos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes provocaram incertezas a respeito de ações que usam relatórios do Coaf.
Moraes atendeu a um pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República) e do Ministério Público de São Paulo e determinou a suspensão de decisões que derrubaram a validade desses relatórios e criaram o que ele chamou de “entraves indevidos” a investigações.
Também decidiu que sua determinação é válida para “recentes decisões do STJ” (Superior Tribunal de Justiça) e de outros tribunais ao redor do país.
Moraes é relator de uma ação de repercussão geral sobre o tema, que será levada ao plenário para que a elaboração de uma tese pelos ministros seja validada para todos os processos similares no Brasil.
No entanto, no mesmo dia do posicionamento de Moraes, Gilmar decidiu, em um processo que também trata de ações do STJ, que o Ministério Público e as autoridades policiais não podem requisitar diretamente dados ao Coaf sem autorização judicial.
A avaliação interna do Supremo é que as decisões em sentidos opostos expõem a necessidade de uniformização da visão sobre o tema, o que só acontecerá quando a ação de Moraes for levada ao plenário da corte. Isso deve acontecer na gestão do ministro Edson Fachin, que assumiu a presidência do STF no fim de setembro.