BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Servidores recebem gratificações de até R$ 44 mil em um único mês por encargos de curso ou concurso. O benefício é dado a profissionais que exercem atividades como elaboração de provas para certames ou instrução em oficinas. Com o adicional, os salários dos servidores ultrapassam o teto constitucional de R$ 46 mil.

Ao longo de 2024, o governo pagou R$ 55 milhões em gratificações. Segundo a pasta, 3,3% do total de servidores ativos no ano passado recebeu a gratificação, que teve um valor médio de R$ 1.350. Os dados são do MGI (Ministério da Gestão e da Inovação) e foram obtidos via LAI (Lei de Acesso à Informação).

Piragibe Tarragô, diplomata do MRE (Ministério das Relações Exteriores), ganhou gratificação de R$ 44 mil em dezembro por participar de bancas examinadoras, em que fez avaliação de teses e de arguição oral. Por causa do benefício, Piragibe teve um salário líquido de R$ 54 mil.

Já Caren Saccol, professora do Colégio Militar do Rio de Janeiro, recebeu R$ 41 mil de adicional por elaborar provas para o concurso de admissão ao colégio. Somado ao vencimento básico, à gratificação natalina e ao terço de férias, o salário bruto de Caren foi de R$ 82,8 mil, enquanto o líquido ficou em R$ 62,8 mil.

A mesma situação ocorreu com Valéria da Luz, também do Colégio Militar, que ganhou adicional de R$ 37,9 mil devido à sua atuação no concurso para a escola. Ela recebeu salário líquido total de R$ 60,9 mil.

Em nota, o MRE afirma que a gratificação paga a Piragibe foi dada devido à participação dele como membro de banca de um curso para diplomatas.

Já o Exército, responsável pelo Colégio Militar, afirma que Caren Saccol e Valéria da Luz têm título de mestrado e reconhecimento de saberes e competências, além de terem recebido, naquele mês, 13º e férias acrescidas de terço constitucional.

A gratificação é calculada com base em um decreto publicado pelo MGI. O texto estabelece que os servidores têm direito a um percentual do maior vencimento básico da administração pública federal por hora trabalhada nas atividades que podem receber gratificação.

O valor deve corresponder a um percentual entre 0,3% e 1,47% do maior vencimento básico da administração pública, de R$ 29.760,95. Há atividades em que o benefício é maior, como instrução em curso de formação de carreiras, enquanto outras, como aplicação de provas, dão direito a um adicional menor.

Por exemplo: um professor universitário com doutorado que orientar uma tese de pós-graduação pode ter direito a um benefício de 1,47% do maior salário. Caso ele se dedique por 20 horas a essa função, receberá R$ 8.749 ao fim do período.

Segundo o MGI, cada órgão federal pode estabelecer sua própria tabela com base em seus objetivos institucionais e orçamento. No entanto, o valor está sujeito ao limite previsto no decreto.

No ano passado, foram gastos R$ 55 milhões com a concessão do benefício para servidores, segundo os dados do MGI. Dentre os cargos que recebem as maiores verbas, estão professores universitários e agentes da PRFs (Polícia Rodoviária Federal).

Para Humberto Falcão Martins, professor de gestão pública na FDC (Fundação Dom Cabral), a concessão desse tipo de gratificação pode se caracterizar como penduricalho, uma vez que permite adicionais por funções que já deveriam fazer parte do escopo de trabalho do servidor.

“Orientação de tese é algo que faz parte do conjunto de atribuições do cargo [de professor]. Criar uma gratificação para isso não faria muito sentido”, afirma “No setor privado, a orientação é parte inerente da atribuição do cargo. Não cabe adicional por conta disso. Mas a tendência é de ler esse caso como um mecanismo clássico de tentar ampliar o espectro remuneratório das ocupações no setor público.”

Em nota, o MGI afirma que o valor é um investimento em capacitação e na transferência de conhecimento de um servidor para outro, algo capaz de fortalecer o Estado e permitir formação de profissionais comprometidos com inovação.

Em nota, a CGU afirma que a gratificação de R$ 38 mil dada a Kátia Sousa tem amparo legal e foi dada devido a sua atuação como instrutora e facilitadora de oficinas, entre abril e setembro de 2024. Foram, segundo o órgão, aproximadamente 175 horas dedicadas a função.

Segundo o Ministério do Trabalho, o benefício também está de acordo com a legislação vigente para valorizar competências internas. Robson Mota, que obteve R$ 37 mil, foi contemplado por ministrar cursos no ministério, em atividades que totalizaram 160 horas.

Já a Enap (Escola Nacional de Administração Pública) afirma que o benefício dado a Isabelle França, de quase R$ 37 mil, foi devido a uma prestação de serviço profissional especializado, para elaborar o projeto pedagógico de um curso da instituição.

Paula Simões é servidora da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), mas estava cedida à ANM (Agência Nacional de Mineração) quando recebeu o benefício de quase R$ 35 mil. Segundo a ANM, as atividades exercidas por Paula são de natureza extraordinária, realizadas fora da jornada regular de trabalho.

Em nota, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) afirma que a gratificação é prevista em lei quando não há prejuízo das atribuições de cargo. A agência afirma que os servidores que aparecem na lista dos que mais receberam estavam cedidos a outros órgãos, mas não entrou em detalhes sobre quais, mesmo após pedido da reportagem.

O Ministério do Planejamento afirma que a gratificação dada a Luiz Guilherme Henriques, que aparece como recebedor de R$ 33 mil no ano passado, foi devido a atividades desenvolvidas para a Enap, no curso de formação de Analista de Planejamento e Orçamento.