SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O conselheiro federal de medicina pelo Rio de Janeiro Raphael Câmara reforçou neste sábado (18) seu posicionamento contra a descriminalização do aborto após o voto do ministro aposentado do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso.

Porta-voz do CFM (Conselho Federal de Medicina) sobre a temática, Câmara diz à Folha que o Conselho estava preparando uma manifestação oficial contra a decisão liminar do ministro que autorizou, na sexta-feira (17), que enfermeiros possam auxiliar o procedimento. Mas o revés no tribunal, que formou maioria para derrubar a decisão, tornou desnecessário um comunicado.

“Depois do 7 a 1, que o Barroso tomou uma surra, aí o CFM não vai arrumar confusão, não”, diz. Segundo ele, a mudança afetaria diretamente o CFM, pois afronta o ato médico e o Código Penal. “Mas não tem porque entrar em uma briga que já foi ganha.”

Na sexta-feira, Barroso seguiu a mesma estratégia de Rosa Weber e, em seu último dia no Supremo, pediu a abertura de uma sessão virtual extraordinária no tribunal e apresentou um voto extenso pela descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Imediatamente após o voto do colega, o ministro Gilmar Mendes pediu destaque na ação, interrompendo seu julgamento.

Barroso também autorizou que enfermeiros possam auxiliar o procedimento de aborto nos casos permitidos pela legislação. O artigo 128 do Código Penal, que trata das exceções legais, fala em não punir médicos que fizerem aborto nos casos previstos. Assim, ele ampliou a ressalva aos enfermeiros e técnicos. Poucas horas depois, sete ministros já haviam votado para derrubar a liminar: Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Flávio Dino, Kassio Nunes Marques, André Mendonça, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli.

Na interpretação de Câmara, o ministro se furtou de pautar a descriminalização do aborto “porque sabia que ia perder”. A aposta é que o atual presidente do STF, Fachin, também não irá pautar o assunto. “Isso aí não faz a menor diferença, não. Do ponto de vista prático, não vai mudar nada. Se pautar, vai perder. Se não pautar, vai continuar do jeito que tá.”

O foco do CFM agora, segundo o médico, será a pressão para pautar a resolução que proíbe a assistolia fetal para aborto acima de 22 semanas. A norma foi proposta por Câmara, publicada em 2024 e logo suspensa por decisão do ministro Alexandre de Moraes. Ela impede médicos de realizarem o procedimento -recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

À Folha Câmara já havia dito que acredita ter um placar favorável de 6 a 5 no STF para derrubar a decisão de suspender a resolução.

“O nosso foco todo agora, dos parlamentares de direita e de alguns ministros do Supremo é derrubar essa cautelar do Alexandre de Moraes”, afirma. “O que a gente quer é que paute. Perder, ganhar é do jogo. Mas precisa pautar. Não pode ficar um ministro só derrubar a resolução feita pelo maior conselho de médicos do mundo e permitindo uma matança de bebês como está acontecendo todo dia”, diz.

O movimento de Barroso reacendeu a divisão no Congresso, de maioria conservadora.

A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) disse que vai acompanhar de perto o julgamento. “A maioria do povo brasileiro é contra o aborto e não vamos deixar que autoridades que nunca receberam um voto sequer do povo instaurem uma cultura de morte no Brasil”, publicou em rede social.

Da mesma forma, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) publicou uma postagem se referindo ao ministro: “Quem promove a morte, colherá juízo. Sei que isso chegará em você, Barroso. Grave essa frase na sua mente.”

A deputada federal Carol de Toni (PL-SC) publicou: “Seguiremos firmes nessa luta para defender os mais inocentes e reafirmar o valor sagrado da vida em nosso país.”

O senador Ciro Nogueira (PP-PI) disse que “é um completo absurdo” o Supremo deliberar sobre aborto. “Essa é uma atribuição do Congresso Nacional. O Supremo tem que julgar, mas legislar?”. Na mesma linha, a deputada Júlia Zanatta (PL-SC) afirmou que “o ativismo judicial mata”.

Um dos políticos mais ativos nas discussões sobre aborto, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) disse que Barroso foi movido por uma “audácia do mal” para, de forma “covarde”, dar seu voto sobre o assunto nas suas últimas horas no Supremo.

“Não vamos deixar a nossa bandeira linda manchar de sangue de inocentes. São duas vidas em jogo: a da criança e a da mulher, que fica devastada com a prática do aborto de ordem emocional, psicológica, física –e não estou nem falando da espiritual. É uma tragédia”, declarou.