BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Inovação e destruição criativa, a superação de uma tecnologia por outra, foram os temas que nortearam o último Nobel de Economia. Para um dos ganhadores deste ano, o francês Philippe Aghion, tais processos são “a maior esperança diante da crise climática”.

Porém é preciso combater a inércia de quem trabalha com combustíveis fósseis e outras práticas que aceleram o aquecimento global. “Empresas que inovaram em tecnologias sujas no passado tendem a continuar inovando em tecnologias sujas no futuro.”

É preciso a intervenção do governo, dos mercados ou da sociedade para redirecionar as mudanças técnicas em velocidade e escala necessárias para a recuperação dos limites planetários –7 dos 9 sistemas de manutenção da vida na Terra estão em nível crítico.

Conheça dez tecnologias que podem fazer diferença e o que falta para se tornarem parte do dia a dia. A lista foi elaborada por um júri de cem especialistas do Frontiers Planet Prize, iniciativa liderada pelo Instituto Potsdam de Pesquisa do Impacto Climático e pelo Fórum Econômico Mundial.

1. Fermentação de precisão

Um terço do consumo de proteínas no mundo é atualmente sustentado pela pecuária, atividade com grande impacto ambiental. Fermentação de precisão é uma tecnologia desenvolvida para gerar proteínas idênticas ou quase idênticas às obtidas a partir de animais utilizando micróbios.

Leveduras, fungos ou bactérias são otimizados por meio de modificação do DNA para produzir proteínas específicas e outras moléculas de alto valor. Os micróbios otimizados convertem matérias-primas simples, como o açúcar, em produtos como caseína, whey, produtos plant-based, cosméticos e materiais.

O que falta: regulação; políticas para tornar a produção mais acessível e justa. Ganhos: reduz as emissões de metano e CO²; menor necessidade de terra para pasto, para produção de grãos para ração e de uso de fertilizantes.

2. Amônia verde

A agricultura moderna depende de fertilizantes à base de amônia, mas a síntese convencional de amônia consome até 2% da energia global e gera mais emissões do que qualquer outro processo químico.

Alternativas usam o processo tradicional, Haber-Bosch, mas substituem o hidrogênio fóssil por hidrogênio verde, produzido com eletricidade renovável. Já outras técnicas ignoram completamente o Haber-Bosch, usando no lugar eletricidade, luz solar e micróbios para converter nitrogênio.

O que falta: políticas nacionais, normas de aquisição e licenciamento; investimento firme e de longo prazo no avanço tecnológico. Ganhos: elimina o uso de combustíveis fósseis na produção de hidrogênio; reduz emissões de CO²; permite produção descentralizada de fertilizantes.

3. Reaproveitamento automatizado de resíduos alimentares

Avanços recentes em automação, reconhecimento de imagem e classificação de resíduos, impulsionados por inteligência artificial, estão facilitando a separação de restos de alimentos no lixo, permitindo a recuperação em grande escala para compostagem, produção de biogás e reaproveitamento.

Sistemas de triagem automatizados, se popularizados, podem revolucionar a indústria de gestão de resíduos.

O que falta: sem políticas consistentes e investimento público, os sistemas podem permanecer limitados a programas-piloto e a municípios de alta renda. Ganhos: reduz as emissões de metano; menor uso de fertilizantes; otimiza o uso do solo; limita a contaminação de poluentes em aterros sanitários.

4. Captura e utilização de metano

Tecnologias de captura de metano estão avançando para detectar e recuperar emissões de uma ampla gama de fontes, incluindo estações de tratamento de esgoto, lagoas de rejeitos, aterros sanitários, minas de carvão e infraestruturas de petróleo e gás.

Metano capturado já é amplamente utilizado como fonte de energia. O gás de aterros sanitários e o estrume de fazendas leiteiras é rotineiramente convertido em eletricidade, calor ou gás natural renovável. Projetos-piloto também testam vias de conversão de metano em produtos químicos para gerar insumos industriais.

O que falta: políticas para direcionar a captura de metano para emissões existentes e evitar que sejam usadas para o desenvolvimento de novos combustíveis fósseis. Ganhos: intercepta o metano para limitar o aquecimento a curto prazo; reduz emissão de aerossóis; reduz emissão de ozônio; reduz a emissão de poluentes.

5. Concreto verde

O concreto é o material de construção mais utilizado no mundo. A produção de seu principal ingrediente aglutinante, o cimento portland, contribui com aproximadamente 8% das emissões globais de CO² e impulsiona uma demanda insustentável por areia.

Novas tecnologias eliminam completamente o cimento portland e utilizam, em seu lugar, ligantes derivados de subprodutos industriais ou resíduos de construção e demolição. Algumas tecnologias permitem também a mineralização do CO² durante a cura, sequestrando-o na matriz do concreto.

O que falta: normas de construção e segurança, políticas de aquisição e infraestruturas que liguem emissores a produtores de concreto. Ganhos: evita emissões na produção; reduz o uso de calcário e materiais virgens; reaproveita entulho e restos de construção; reduz a utilização de aterros.

6. Carregamento bidirecional de última geração

Popularizadas pelos carros elétricos, as baterias já são um ativo potencial para residências, edifícios e até redes elétricas. O carregamento bidirecional permite que a eletricidade entre e saia das baterias, permitindo que a energia armazenada seja redirecionada com base nas necessidades de uso.

O sistema usa inversores avançados para converter a eletricidade entre a corrente contínua armazenada nas baterias e a corrente alternada transmitida pelas redes elétricas. Inversores tradicionais são limitados por perda de calor, tamanho e ineficiência.

O que falta: clareza regulatória sobre participação nas redes elétricas, esquemas de compensação e padrões de equipamentos pode acelerar a adoção da tecnologia; estrutura econômica para lidar com custos e incentivar a participação. Ganhos: reduz emissões; menor poluição nas horas de pico e produzida por geradores em situações de emergência.

7. Observação da Terra quase em tempo real

Novas ferramentas de observação da Terra já oferecem visões de alta resolução e quase em tempo real das mudanças planetárias. Proporcionam capacidade sem precedentes de medir variáveis-chave em diversas ordens de magnitude: de observação espacial a avaliações individuais de árvores, passando pelo registro de mudanças na demografia de cidades.

Ao combinar dados de satélite, drones e dispositivos terrestres com análises baseadas em inteligência artificial, os sistemas de observação já fornecem informações com precisão de metros ou menos sobre os principais impactos ambientais e humanos, como precipitação, umidade do solo e uso da terra.

O que falta: estruturas de governança que promovam transparência e responsabilidade; salvaguardas para coibir vigilância ou uso militar e político; investimento em plataformas de acesso aberto para maior alcance social da tecnologia. Ganhos: monitoramento de emissões, eventos climáticos extremos, desmatamento, expansão urbana, atividade agrícola e uso do solo quase em tempo real.

8. Energia geotérmica modular

Avanços em sistemas modulares e melhorias nas tecnologias de perfuração podem expandir a utilização da energia geotérmica, hoje responsável por apenas 1% da produção mundial.

Ao contrário das grandes usinas, sistemas modulares não requerem condições geológicas específicas e podem ser implantados em diversos formatos: desde pequenas unidades de energia em poços individuais até instalações de bombas de calor em grandes edifícios.

O que falta: licenciamento, compartilhamento de risco e normas de compras públicas podem acelerar a implantação; financiamento competitivo diante de outras tecnologias de energia verde. Ganhos: energia estável e de baixa emissão para aquecimento, refrigeração e eletricidade; uso mínimo de superfície e água; eliminação de poluição.

9. Dessalinização regenerativa

Abordagem sustentável para a purificação de água, minimizando desperdício, demanda de energia e impacto ambiental em comparação aos métodos convencionais. Com energia renovável, sistemas de dessalinização regenerativa podem ainda reduzir emissões.

Sistemas convencionais utilizam osmose reversa, processo intensivo em energia e resíduos. Um método regenerativo emergente chamado eletrodiálise com membranas bipolares divide as moléculas de água para produzir íons de hidrogênio e hidróxido, que então se combinam com íons de sal para formar ácidos e bases utilizáveis.

O que falta: apoio regulatório para a recuperação de produtos químicos, reutilização de salmoura e integração com energias renováveis; financiamento e integração de cadeias de valor locais para aproveitamento dos subprodutos. Ganhos: reduz emissões, uso de água e a produção de resíduos perigosos; menor impacto ambiental; preservação da vida marinha.

10. Tecnologias para a saúde do solo

Tecnologias emergentes, incluindo sensoriamento remoto, engenharia de microbioma e diagnósticos feitos por inteligência artificial, estão revolucionando a manutenção da saúde do solo. Se amplamente adotadas, essas tecnologias podem aliviar a pressão sobre vários limites planetários.

Recentes avanços podem apoiar a integração de dados sobre o solo com imagens de satélite e histórico de uso da terra, fazer diagnósticos e direcionar sua gestão. Plataformas de código aberto e índices compartilhados começam a padronizar a interpretação de dados.

O que falta: padrões para diagnósticos do solo e validação transparente de ferramentas de decisão baseadas em inteligência artificial; direcionar investimentos, ampliar o acesso das tecnologias e evitar que fiquem limitadas a fazendas industriais. Ganhos: redução de emissão, com mais captura de carbono e uso otimizado de fertilizantes; menor degradação do solo; uso sustentável da terra.