BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo Lula (PT) tenta manter distância do debate sobre a descriminalização do aborto após o voto do ministro aposentado do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso reabrir discussões sobre o tema.
O presidente tem expressado preocupação em entrar em debates polêmicos que podem dar munição para a oposição e esgarçar sua retomada na relação com lideranças evangélicas.
Na quinta-feira (16), horas após se encontrar com os bispos Manoel e Samuel Ferreira, da Assembleia de Deus Ministério de Madureira, Lula discursou em Congresso do PCdoB sobre a relação do governo com o segmento religioso.
“A direita conseguiu colocar na cabeça do povo que todos nós defendemos o aborto de qualquer jeito e o povo não defende. Porque a direita passou para a cabeça do povo que todos nós que defendemos os direitos humanos queremos bandido fora da cadeira. A gente não sabe explicar isso”, disse.
O movimento coincide ainda com a possível indicação do diácono da Igreja Batista e ministro-chefe da AGU (Advocacia Geral da União), Jorge Messias, para a vaga deixada por Barroso no Supremo.
Caso a escolha seja por Messias –o favorito na corrida ao STF–, o governo tenta garantir o apoio de lideranças evangélicas ao seu nome.
Em ocasiões anteriores nesta gestão, o governo Lula atuou para barrar uma resolução do Conanda (Conselho Nacional da Criança e do Adolescente) que estabelecia diretrizes para o aborto legal em menores de idade.
A estratégia de Lula é a mesma adotada em setembro de 2023, quando a então ministra Rosa Weber votou no processo sobre aborto um dia antes de se aposentar do tribunal. Lula e seus ministros evitaram comentar o tema.
Luís Roberto Barroso seguiu a mesma estratégia de Rosa. Em seu último dia no Supremo, pediu a abertura de uma sessão virtual extraordinária no tribunal e apresentou um voto extenso pela descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.
Antes da abertura da sessão, o ministro articulou uma dobradinha com Gilmar Mendes. O decano do Supremo interrompeu o julgamento minutos após o voto de Barroso, usando de um mecanismo que leva a ação ao plenário físico do tribunal.
Barroso se aposentou do STF neste sábado (18). Ele manteve em segredo sua intenção de votar na ADPF 422, que trata sobre a descriminalização do aborto, sob o argumento de que seu voto poderia reabrir discussões acaloradas sobre o assunto.
“Eu ainda posso votar porque não acabou. Mas a consideração que eu estou fazendo é: nós já vivemos um momento com muitos temas delicados acontecendo ao mesmo tempo e os riscos de uma decisão divisiva criar um ambiente ainda mais turbulento no país”, disse o ministro no dia em que anunciou sua aposentadoria.
O movimento de Barroso reacendeu a divisão no Congresso, de maioria conservadora. As manifestações sobre o julgamento no Supremo ficaram concentradas em parlamentares de perfil ideológico, com o centrão em silêncio.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) disse que vai acompanhar de perto o julgamento. “A maioria do povo brasileiro é contra o aborto e não vamos deixar que autoridades que nunca receberam um voto sequer do povo instaurem uma cultura de morte no Brasil”, afirmou.
A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) disse que Barroso marca a história ao votar pela descriminalização do aborto como seu ato final no Supremo.
“O aborto é uma realidade, mas sua ilegalidade o torna acessível apenas àquelas pessoas que podem pagar caro por métodos clandestinos seguros […]. Educação sexual para decidir, contraceptivos para não engravidar, aborto seguro para não morrer”, completou.
O senador Ciro Nogueira (PP-PI) disse que “é um completo absurdo” o Supremo deliberar sobre aborto. “Essa é uma atribuição do Congresso Nacional. O Supremo tem que julgar, mas legislar?”. Na mesma linha, a deputada Júlia Zanatta (PL-SC) afirmou que “o ativismo judicial mata”.
Para a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS), a discussão sobre aborto não é delimitada por opiniões pessoais, mas uma questão de saúde pública e liberdade. “O voto do ministro Barroso para descriminalizar o aborto é um passo histórico rumo à garantia dos direitos reprodutivos das mulheres no Brasil”, disse.
Um dos políticos mais ativos nas discussões sobre aborto, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) disse que Barroso foi movido por uma “audácia do mal” para, de forma “covarde”, dar seu voto sobre o assunto nas suas últimas horas no Supremo.
“Não vamos deixar a nossa bandeira linda manchar de sangue de inocentes. São duas vidas em jogo: a da criança e a da mulher, que fica devastada com a prática do aborto de ordem emocional, psicológica, física –e não estou nem falando da espiritual. É uma tragédia”, declarou.