SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess, foi o livro mais censurado em distritos escolares americanos ao longo deste último ano letivo nos Estados Unidos. Foram ao todo 23 ocorrências de proibições.

Em 2025, a censura de livros nos Estados Unidos é generalizada e comum. É o que diz o novo relatório da PEN America, organização que defende a liberdade de expressão na literatura, que mapeou a censura em bibliotecas escolares americanas. O documento foi publicado no início deste mês.

O relatório analisa os chamados “book bans”, ou proibição de livros, em distritos escolares nos Estados Unidos no último ano escolar.

O autor que por mais vezes foi alvo de censura foi Stephen King, que teve 87 títulos banidos, somando ao todo 206 casos.

Durante o ano letivo de 2024 e 2025, a organização registrou 6.870 casos de proibição de livros em 23 estados e 87 distritos escolares públicos americanos. Nos EUA, o ano escolar começa em agosto ou setembro e termina em maio ou junho.

O número representa um crescimento de 171% nos “book bans” desde o ano letivo de 2012-2022. Segundo o estudo, a censura ganhou força com a eleição de Donald Trump à Casa Branca.

A Flórida, governada pelo republicano Ron DeSantis, foi o estados com mais ocorrências de “book bans”, com 2.305 casos de censura em bibliotecas escolares ao todo, em 33 distritos diferentes. O Texas é o segundo estado com mais censura, com 1.781 casos em sete distritos escolares.

O relatório, em inlgês, pode ser acessado neste link e a lista completa de livros censurados em 2024-25 pode ser vista aqui.

As proibições são feitas a partir de pedidos de indivíduos ou associações de pais que se queixam de conteúdo inapropriado para os filhos. O distrito escolar então analisa o pedido e avalia se censura ou não o acesso ao livro.

A censura afetou livros como “Cem anos de Solidão” e “Amor nos Tempos do Cólera”, de García Marquez. Autoras como Toni Morrison, Margaret Atwood e Judy Blume são figurinhas carimbadas na lista de censuras escolares.

Um pai ou mãe pode fazer uma reclamação formal, preenchendo um formulário em que explica por que não querem determinado livro na biblioteca. Então, um comitê faz um processo de revisão. Esse grupo costuma envolver representantes pais, professores, bibliotecários e administradores escolares. Dali, sairá a decisão se a escola mantém, restringe ou remove o título. Depois de 2021, esse processo ganhou um lastro legislativo com uma série de leis apoiadas por DeSantis.

Um dos mais conhecidos grupos nesse front é o Moms for Liberty, ou mães pela liberdade, que hoje tem como principal bandeira a contestação de livros em bibliotecas públicas e escolares.

Os livros não chegam a ser proibidos de serem vendidos nas livrarias, mas são retirados de prateleiras de bibliotecas públicas ou de escolas. Os opositores argumentam que isso é uma forma de censura, já que dificulta o acesso a obras literárias, principalmente no caso de jovens de baixa renda e em situação de vulnerabilidade.

Os banimentos são feitos pelos distritos escolares de forma autônoma, mas, a exemplo do caso da Flórida, há agora uma grande chancela presente na legislação estadual.

O Moms for Liberty, não por acaso, nasceu na Flórida, combatendo o uso obrigatório de máscaras nas escolas durante a pandemia.

Em 2021, quando estavam a todo o vapor os protestos do Black Lives Matter, ou vidas negras importam, o Senado estadual da Flórida aprovou a primeira lei que deu início à guerra do governador do estado contra o que a direita chama de “woke”. É a chamada HB 1, que recebeu a alcunha oficial de “combate à desordem pública”.

Daí em diante, começaram a surgir uma série de outras leis que foram dando mais lastro para a onda de censura de livros que estava se formando.

Entre os destaques, o Stop Woke Act, a HB 7 de 2022 . Seu texto versa sobre assuntos ligados a preconceito de raça, nacionalidade e gênero e proíbe, de forma pouco específica, o ensino de ideias ligadas a racismo estrutural, interseccionalidade ou de qualquer tipo de insinuação que as discriminações racial, de gênero e de nacionalidade ocorrem para além da esfera individual.

O segundo destaque é o que a esquerda apelidou de lei “Don’t Say Gay”, ou não diga gay, a HB 1557 de 2022. “O nome já diz. Não vamos discutir ou ensinar sobre nada que tenha a ver com orientação sexual ou identidade de gênero”, afirma a advogada.

A PEN America define a proibição de um livro escolar como “qualquer ação tomada contra um livro com base em seu conteúdo e em decorrência de contestações de pais ou da comunidade, de decisões administrativas ou em resposta a ações diretas ou ameaças de autoridades governamentais, que resulte na remoção completa do livro do acesso dos estudantes, ou na restrição ou limitação desse acesso”.

“Nunca antes, na vida de nenhum americano vivo, tantos livros foram sistematicamente retirados das bibliotecas escolares em todo o país. Nunca antes tantos estados haviam aprovado leis ou regulamentos para facilitar a proibição de livros, incluindo proibições de títulos específicos em nível estadual. Nunca antes tantos políticos haviam tentado intimidar dirigentes escolares a censurar de acordo com suas preferências ideológicas, chegando até a ameaçar o corte de verbas públicas para impor obediência. Nunca antes o acesso a tantas histórias havia sido roubado de tantas crianças”, afirma o relatório.