SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A capital paulista enfrenta uma escalada generalizada de reclamações ao Psiu (Programa de Silêncio Urbano) da Prefeitura de São Paulo. As queixas sobre perturbação do sossego cresceram 40% de 2015 a 2024, saltando de 31,5 mil para 43,9 mil registros.

Além da intensificação dos problemas relacionados ao ruído nas áreas centrais, houve um espraiamento dos infortúnios para distritos mais afastados.

O volume de registros atingido no ano passado é o segundo maior da década analisada, superado por pouco pelos 45,3 mil chamados feitos em 2023, cujo mês de maio marca o encerramento da pandemia.

É em 2023 que ocorre a explosão dos chamados ao Psiu, cujos avanços foram de 49% em relação a 2022, com 30,5 mil queixas, e de 124% na comparação com 2019, que teve 20,3 mil registros, segundo informações do serviço 156 da prefeitura extraídas pela plataforma de tecnologia de dados urbanos OSPA Place.

A tendência de alta se mantém em 2025. São 36,9 mil chamados de janeiro a setembro, valor que já corresponde a 84% do total dos registros de 2024. Se mantido o ritmo, o ano pode registrar o recorde histórico de reclamações.

As punições a estabelecimentos que descumprem as regras também cresceram neste ano, segundo a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB). Em mais de 34 mil solicitações atendidas em 2025 -maior número em nove anos-, a prefeitura diz ter aplicado R$ 11,9 milhões em multas, superando o total de R$ 10,3 milhões de 2024.

O levantamento realizado para a reportagem não permite identificar quantas reclamações resultaram em notificações e multas.

O programa municipal que cuida do silêncio, porém, tem alcance limitado. Somente atividades empresariais podem ser multadas. Se a perturbação é provocada por um vizinho, por exemplo, a questão deixa de ser responsabilidade do Psiu.

O barulho em São Paulo é multifatorial, diz Mario Roberto Fortunato, diretor-presidente do Sindicato dos Fiscais Posturas, categoria cujos profissionais são também responsáveis por atender esse tipo de reclamação.

Ele também reclama do baixo número de fiscais dedicados ao serviço. Isso, segundo ele, também faz crescer o número de chamados, já que motiva moradores a repetir as queixas. A gestão Nunes contesta o representante dos fiscais e afirma ter aumentado em 60% os agentes desde 2023, que agora são 492 nas ruas, resultado de um concurso público realizado em 2022.

Além das recorrentes queixas sobre áreas boêmias com seus bares lotados até tarde, Fortunato aponta a movimentação de caçambas da construção civil durante as madrugadas como algumas das situações que mais tiram o sono do paulistano. “Com novos prédios também surgem novos polos de entretenimento e eventos”, comenta.

Desde 2022 o Psiu inclui as obras particulares no seu escopo de fiscalização, o que gerou aumento expressivo no número de solicitações, segundo a prefeitura.

O SindusCon-SP (representante das construtoras) afirmou orientar suas associadas a seguirem rigorosamente as normas municipais que regulamentam os horários e os limites de ruído das obras.

Campeão de reclamações ao Psiu em 2024 com 929 registros, Pinheiros (zona oeste) é um dos bairros que reúnem as características citadas por Fortunato: intensa atividade noturna e crescimento das obras para a construção de edifícios.

A verticalização também levou o barulho para o alto, literalmente. Festas em coberturas ou rooftops -o termo em inglês está na moda na cidade- passaram a ocupar lugar de destaque entre os aborrecimentos noturnos no bairro, afirma Rosanne Brancatelli, fundadora da associação de moradores Pró-Pinheiros.

Com perfis semelhantes ao de Pinheiros nos quesitos boêmia e expansão imobiliária, Santa Cecília (região central), com 884 queixas, e Tatuapé (zona leste), com 844, completam o pódio dos distritos mais barulhentos de 2024.

Os dados mostram, porém, o Tatuapé na contramão do crescimento das queixas. Os chamados ao Psiu caíram 47% -o número era de 1.608 em 2015.

Eduardo de Almeida, presidente do Conseg (Conselho Comunitário de Segurança) do Parque São Jorge, um dos dois conselhos existentes no Tatuapé, diz duvidar da redução do transtorno provocado por bares e especialmente quadras esportivas que se tornam palcos de apresentações musicais à noite.

“O que mudou foi o canal de reclamação. Nós deixamos de chamar o Psiu, que não funciona, e passamos a acionar a polícia”, diz.

Caso diferente foi o do Jardim Paulista, na divisa entre as regiões central e oeste da cidade. O distrito teve um pico de queixas em 2015, especialmente devido à realização do Carnaval de rua, mas saiu do topo da lista com a distribuição dos blocos em outras regiões.

O ano de 2024 também teve mais de 11 mil registros que não foram atribuídos a distritos, o que pode ter interferido no resultado local. Em 2015, eram 3 mil os casos sem especificação do local da ocorrência.

Quinto distrito com mais reclamações sobre barulho à prefeitura, o Capão Redondo (zona sul) é um dos principais exemplos do aumento das queixas por perturbação em áreas mais extremas da cidade. Dois moradores que falaram sob anonimato com a reportagem reclamaram da música com volume muito alto dos pancadões -bailes funk e festas do gênero.

Presidente da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) instaurada para investigar esses eventos, o vereador Rubinho Nunes (União Brasil) diz que os pancadões são o principal motivo da migração parcial das reclamações por perturbação para a periferia.

“A incomodidade gerada pelos pancadões é a maior fonte, inclusive porque a maioria das pessoas deixa de registrar queixas por medo da atuação do crime organizado”, diz o vereador, que aponta grupos de criminosos como os principais patrocinadores desses eventos.

O número de chamados para combate à poluição sonora feitos à Polícia Militar neste ano em todo o estado passa de 705 mil, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública da gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). O órgão afirma que esta é uma das prioridades da corporação e pede que a população faça denúncias pelo telefone 190.

A Apressa (Associação Paulista de Bares, Restaurantes, Eventos, Casas Noturnas, Similares e Afins) afirmou acompanhar de perto todas as discussões relacionadas à aplicação das regras de silêncio urbano e que tem atuado para ajudar a prefeitura a encontrar soluções equilibradas para a questão.