BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), votou pela descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação como um de seus últimos atos na corte antes da aposentadoria.

“As mulheres são seres livres e iguais, dotadas de autonomia, com autodeterminação para fazerem suas escolhas existenciais”, disse Barroso em seu voto.

Imediatamente após o voto do colega, o ministro Gilmar Mendes pediu destaque na ação. Isso interrompe o julgamento virtual e joga o caso para o plenário físico do STF, sem data para recomeço da análise.

Barroso deixou indefinido até os últimos momentos se votaria na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 442, que retira a punição pela interrupção voluntária da gravidez.

Nesta sexta-feira (17), Barroso pediu ao presidente da corte, Edson Fachin, uma sessão virtual extraordinária para que possa deixar seu voto registrado antes de deixar o tribunal neste sábado (18).

Após cinco horas de espera que causaram nervosismo no campo favorável à descriminalização, Fachin abriu a sessão no plenário virtual, permitindo que o colega votasse.

“Em suma: têm o direito fundamental à sua liberdade sexual e reprodutiva. Direitos fundamentais não podem depender da vontade das maiorias políticas. Ninguém duvide: se os homens engravidassem, aborto já não seria tratado como crime há muito tempo”, continuou Barroso no voto.

Pouco antes de deixar a presidência da corte, quando já havia especulações em torno da possibilidade de que ele votasse, o ministro dizia que não teria mais tempo para fazer a leitura de seu voto em plenário físico. A expectativa era de que a manifestação seria longa. O voto registrado, no entanto, tem duas páginas.

Em outras duas ações que versam sobre aborto, as ADPFs 989 e 1.207, herdadas de Fachin quando este assumiu a presidência da corte, Barroso deu votos mais longos. Em decisões liminares, suspendeu procedimentos administrativos e penais por aborto e autorizou enfermeiros a realizarem aborto nos casos permitidos por lei. Nesses processos, o ministro dedicou mais fôlego: as decisões passam de 30 páginas.

No voto da ADPF 442, ele defendeu que divergências em temas morais são comuns em democracias, mas que o papel do Estado é garantir que cada um possa estabelecer os parâmetros para a própria vida.

“Numa sociedade aberta e democrática, alicerçada sobre a ideia de liberdade individual, não é incomum que ocorram desacordos morais razoáveis. Vale dizer: pessoas esclarecidas e bem-intencionadas têm posições diametralmente opostas. Nesses casos, o papel do Estado não é o de escolher um lado e excluir o outro, mas assegurar que cada um possa viver a sua própria convicção.”

De acordo com ele, ainda, a tradição judaico-cristã condena e é legítimo ser contrário à interrupção. Ainda assim, é possível conciliar os preceitos religiosos ao direito ao aborto.

“Mas será que a regra de ouro, subjacente a ambas as tradições – tratar o próximo como desejaria ser tratado –, é mais bem cumprida atirando ao cárcere a mulher que passe por esse drama? Pessoalmente, entendo que não. Portanto, sem renunciar a qualquer convicção, é perfeitamente possível ser simultaneamente contra o aborto e contra a criminalização”, disse.

Com a posição de Barroso, a ação fica com dois votos pela descriminalização. No momento não há votos contrários, pois apenas a agora ministra aposentada Rosa Weber também votou. Assim como Barroso, ela o fez como último ato antes de se aposentar do tribunal, em setembro de 2023.

Caso Barroso não votasse, o direito à manifestação passaria para o ministro que ocupar sua vaga —hoje, o mais cotado é o advogado-geral da União, Jorge Messias. O ministro comunicou nesta sexta-feira pela manhã a alguns ministros que faria esse movimento, deixando colegas do STF espantados.

A posição do ex-presidente da corte sobre o tema é conhecida, e havia expectativa entre movimentos favoráveis à descriminalização do aborto de que ele avançasse com a ação, iniciada em 2017. No entanto, o ministro não pautou a ADPF enquanto comandou o tribunal, de 2023 até o fim de setembro deste ano.

Por isso, internamente causou surpresa a decisão de Barroso. O pedido de destaque feito por Gilmar Mendes havia sido combinado previamente com o ministro, como o próprio Barroso havia feito em 2023 com a então presidente do STF, Rosa Weber.

No fim da gestão de Rosa, ela votou pela descriminalização, usando como argumentos os direitos reprodutivos e a autonomia das mulheres. A ministra se aposentou em seguida.

Pouco depois da inclusão do voto no plenário virtual, Barroso pediu destaque, o que levaria o tema à discussão em plenário presencial. Nos bastidores, fala-se que os dois combinaram o movimento para que a então relatora pudesse registrar o voto dela no tema, já que tinha conduzido a tramitação até então, chamado audiência pública e escrito sua manifestação.

Nesta sexta, Barroso pediu o cancelamento desse destaque, o que recolocou o julgamento no plenário virtual.

Barroso chegou a atuar como advogado na ação do STF que descriminalizou o procedimento em casos de anencefalia fetal, em 2012, antes de se tornar ministro da corte.

Apesar disso, o ministro repetiu ao longo de sua gestão que o país não estaria pronto para deliberar sobre o aborto e que só poderia colocar em pauta a ação quando houvesse amplo apoio popular.

Nos bastidores, diz-se que Barroso teria estimado o voto dos colegas e achava que a ação terminaria com derrota para o movimento pela descriminalização. Havia ainda um temor do ministro de acirrar os ânimos políticos, já exaltados, ainda mais.

Também por isso, a decisão definitiva para votar teria sido tomada apenas na noite de quinta (16), véspera da saída dele da corte.

Em 2016, quando a Primeira Turma da corte entendeu que o aborto não é crime se feito até o terceiro mês de gestação, a decisão foi tomada com os votos de Barroso, Fachin e Rosa. A decisão foi tomada em um caso concreto, sem repercussão geral. Mas animou setores feministas para articularem a construção da ADPF 442, apresentada em 8 de março de 2017.

Barroso anunciou no dia 9 de outubro sua aposentadoria antecipada do tribunal. O ministro ocupou o cargo por 12 anos e 3 meses e só teria que se aposentar compulsoriamente em 2033, quando completará 75 anos em 2033. Ele anunciou que deixaria a corte ao fim de uma sessão plenária.

“Sinto que agora é hora de seguir outros rumos. Nem sequer os tenho bem definidos, mas não tenho qualquer apego ao poder e gostaria de viver um pouco mais da vida que me resta sem a exposição pública, as obrigações e exigências do cargo”, disse, emocionado.

Desde então, grupos e movimentos feministas têm se mobilizado para que o ministro deixasse sua posição na ADPF 442.

Quando anunciou a saída do tribunal, ele disse que a criminalização é um componente discriminatório porque “tem efeito perverso sobre as mulheres pobres”.

“A consideração que eu estou fazendo é que nós já vivemos um momento com muitos temas delicados acontecendo ao mesmo tempo e os riscos de uma decisão divisiva criar um ambiente ainda mais turbulento no país”, disse.