SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma palestra da americana Sol Rashidi destoa das falas típicas de muitos figurões do mercado de inteligência artificial. Como eles, a consultora de projetos em IA concorda que é uma tecnologia formidável que veio para ficar –mas também expressa uma camada de ceticismo. Afinal, lembra a autora de “Your AI Survival Guide” (Seu Guia de Sobrevivência à IA), a maior parte dos projetos nessa área fracassa logo no começo. Não existe milagre.

Rashidi tem se dedicado a ajudar empresas na implementação de projetos de IA. No currículo, traz o fato de ter sido uma das executivas envolvidas no lançamento do Watson, da IBM, e uma das primeiras “chief AI officers” do mercado americano; não à toa, com frequência surge em listas de mulheres mais influentes dessa área.

De passagem pelo Brasil para uma palestra no evento Repcom.AI, realizado pela FSB em São Paulo, ela contou como sempre pergunta, a quem a contrata, qual problema cada empresa quer resolver. A IA pode até ser a coqueluche do momento, mas não é sempre a solução; às vezes existe uma tecnologia antiga que dá conta do problema.

Rashidi criou critérios para decidir qual o papel da IA em cada projeto. Se a iniciativa é de alto risco e alta complexidade, por exemplo, é melhor ficar exclusivamente nas mãos dos seres humanos. O que for de baixo risco e baixa complexidade pode ser delegado aos robôs. No meio do caminho, a depender dos mesmos fatores, há os casos de iniciativas lideradas por humanos com apoio de IA -e também o contrário. Mas tudo o que envolve risco alto precisa do protagonismo de gente de carne e osso.

“Há executivos que tentam extrair os benefícios da IA sem entender as implicações de longo prazo. Ouvem consultores e tecnologistas que querem vender [produtos] e implementam os projetos com base nos conselhos deles. Mas essas são pessoas com viés, porque fazem dinheiro com a implementação”, diz ela em entrevista à Folha de S.Paulo. “Sou uma grande fã de projetos liderados por humanos e facilitados pela IA, mas algumas empresas fazem o contrário.”

Na palestra que deu em São Paulo, Rashidi contou um exemplo de um hospital americano a quem prestou serviços recentemente. O projeto parecia redondo. Com a IA, a empresa conseguiu diminuir drasticamente o prazo para o diagnóstico de câncer em exames de imagem -mas viu os processos judiciais terem uma alta. O que faltava? Mais protagonismo humano na ferramenta, médicos que seguissem à frente da leitura dos exames.

Seu principal receio, diz a palestrante, não é que a IA vá tornar os humanos obsoletos: são os empresários que se preocupam com a viabilidade comercial dos projetos de IA mais do que com o impacto na força de trabalho e na cultura de cada companhia.

A consultora lembra, por exemplo, o estudo recente do MIT mostrando que 95% dos projetos de IA morrem na praia. Quando veio a público, o dado chegou a provocar a queda das ações de empresas de tecnologia –mas também foi alvo de críticas por uma suposta limitação da metodologia.

“Quem criticou foi quem está com a reputação em jogo”, dispara Rashidi. “A implementação da IA atualmente é uma bagunça. Com todo respeito, você não vira especialista em IA em dois anos.”

“Acredito nesses números porque testemunhei isso em primeira mão. Há outras estatísticas: de 77% a 88% dos projetos de IA são paralisados, cancelados ou falham na prova de conceito. IA não é uma varinha mágica, não basta aplicar essa tecnologia para ter uma transformação.”

Rashidi aponta como um problema, por exemplo, quem compra licenças de ferramentas de inteligência artificial, treina os funcionários e fica por aí. “Isso não é implementar IA. Isso só é comprar uma ferramenta e fazer um treinamento”, diz.

Por isso, explica, ficou comum que projetos do tipo fiquem presos no que chama de “purgatório da prova de conceito”, sem ir adiante. As iniciativas que dão certo, por sua vez, enfatizam sistemas de governança da IA e a segurança de dados.

“Não basta dar três horas de treinamento. É preciso mostrar: é assim que vamos implementar a IA, como vamos redesenhar os fluxos de trabalho no dia a dia, como homem e máquina vão trabalhar lado a lado, quando você tomará as decisões e quando o robô vai lhe apoiar nisso.”

Rashidi também é crítica de um certo fetiche com demissões que acompanham os projetos de IA em empresas. No trimestre passado, por exemplo, a Accenture cortou 11 mil funcionários -e a companhia disse que quem não aprendesse a usar IA corria o risco de engrossar a lista dos mandados embora.

Ela afirma que não faz esse tipo de corte em seus projetos. Afinal, há a expectativa de que os negócios continuem a crescer, e, segundo ela, é preciso ter os funcionários para sustentar tal crescimento. Se a IA estiver fazendo parte do que era trabalho deles, é a hora de pensar em novos produtos e serviços e realocar as pessoas.

“O nome do jogo é: como você faz mais, não menos, com o que você tem agora?”