SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Reynaldo Gianecchini, 52, teve uma surpresa ao dizer em uma entrevista recente que o fascismo não deveria ser normalizado. “Teve gente me atacando, teve uma mulher que escreveu na minha rede assim: ‘Ai, eu gostava tanto de você, mas depois que você falou isso…’.”

O fato de achar que a palavra perdeu a força e a gravidade dentro do discurso político atual foi um dos motivos que o levaram a estrelar a peça “Um Dia Muito Especial”, em cartaz em São Paulo a partir desta sexta-feira (17). Trata-se de uma adaptação do filme homônimo dirigido por Ettore Scola.

Clássico da cinematografia italiana, o longa de 1977 se passa no dia 4 de maio de 1938, quando Adolf Hitler visita Mussolini em Roma. O encontro que é explorado na tela, no entanto, é outro: o de Antonietta, uma dona de casa que é deixada cuidando dos afazeres domésticos pelo marido que leva os filhos do casal para presenciar o momento “histórico”, com o vizinho Gabriele, um homem gay que é perseguido pelo regime fascista por ser gay e que acaba de perder o emprego.

Na tela, os papéis foram vividos por Sophia Loren, que se despia da aura de musa voluptuosa para encarnar uma “mulher comum”, e por Marcello Mastroianni, um dos grandes galãs de seu tempo, numa época em que personagens homossexuais ainda eram considerados um “risco” para a carreira dos atores. Na nova montagem, Gianecchini divide o palco com Maria Casadevall, 38.

A direção é de Alexandre Reinecke, 56, que também foi responsável pela nova adaptação do texto, que já vem sendo levado aos palcos desde 1982. No Brasil, houve uma versão anterior estrelada por Tarcísio Meira e Glória Menezes com direção de José Possi Neto.

Reinecke diz que foi apresentado ao filme pela mãe, Ofélia, “uma cinéfila inveterada”. Ele tinha vontade de levá-la aos palcos desde o começo dos anos 2000, mas só nos últimos tempos a ideia finalmente se concretizou. Para isso, chamou Gianecchini, com quem já havia trabalhado em uma montagem de “Sua Excelência, o Candidato”, há quase duas décadas.

O ator, que estava na Itália quando recebeu a ligação do diretor, pretendia ficar um tempo por lá, mas se encantou pela história. Por coincidência, diz, também havia acabado de ler as biografias de Loren e Mastroianni, o que fez a sincronicidade parecer ainda maior.

Apesar de também vir descontruindo a imagem de galã de novelas, adquirida desde a estreia em novelas da Globo, Gianecchini diz que fica lisongeado quando traçam um paralelo entre sua trajetória e a do colega italiano, indicado ao Oscar pelo papel de Gabriele.

“Sempre fui muito fã dele”, comenta. “Existe uma responsabilidade, mas tem uma inspiração que não é só dele como artista, que vem também da ousadia dele de topar se experimentar nesse lugar desafiador. Ele é fortemente uma referência para mim nisso.”

Diante da comparação com o período, o ator admite que a pauta LGBTQIA+ teve muitos avanços. “É um homem gay que provavelmente vai ser morto, eles eram encaminhados para outro campo de concentração, embora ele não soubesse disso na época”, lembra ele, que vem explorando esse universo em peças como “A Herança” e “Priscilla, a Rainha do Deserto”.

“Eu tenho sempre comprado essa briga; meus últimos trabalhos têm falado muito sobre essa liberdade de ser e trazer para o palco principal uma coisa que ficava muito marginalizada”, avalia. “Acho que tem a ver também com uma liberdade que eu também tenho conquistado, de poder falar sobre isso. Para mim, sempre é muito caro isso: a liberdade de você ser quem você é, do seu jeito, sem obedecer a padrões. Não tô falando só de sexualidade, estou falando de tudo.”

RETORNO OFICIAL

Enquanto a própria existência de Gabriele é o que o faz o regime fascista não tolerá-lo, Antonietta vive uma situação quase oposta. Ela tem seu lugar no sistema, é uma mãe de seis filhos que não se insurge contra nada do que vê ao seu redor, mais levada pelo endosso do marido que por suas próprias ideias, essas tão silenciadas que talvez nem mais as tenha.

O papel que representou uma quebra de paradigmas para Sophia Loren agora cabe a Maria Casadevall, que se diz desafiada pela forma como a atriz italiana se dispôs a encarná-lo —quase sem maquiagem para aproximá-la mais da realidade. “Entendo que o que ela fez é maravilhoso, mas a gente está trazendo essa história para o teatro”, diz, deixando claro que não tentou emular a colega.

“É um outro corpo, uma outra voz”, explica. “O que a gente procurou nos ensaios foi honrar essa história que já foi contada, honrar o que está no papel, honrar o que está no filme, mas sobretudo criar a nossa versão.”

De volta aos palcos após um período de quase quatro anos, ela diz que esse intervalo na carreira não foi programado. “Eu vinha emendando um trabalho no outro até a pandemia, e já vinha refletindo sobre uma possível pausa para poder não só descansar, mas também reorganizar a minha ideia de trajetória, os caminhos, as escolhas”, comenta. “Tiveram momentos que eu achei que não voltava.”

A atriz diz que a repentina ascenção após estourar na TV, em 2013, acabou influenciando. “Sei que é um lugar de muito privilégio poder ter o meu trabalho reconhecido e ter toda essa visibilidade, mas tudo aconteceu muito rápido e acho que de alguma forma também fui me ferindo ao longo desse caminho tão inesperado. Eu precisava desse retiro para poder entender se era pra cá mesmo que eu queria voltar.”

E era. Ela começou a cavar esse retorno aos poucos, fazendo experimentações pontuais nos palcos e criando conteúdo para as próprias redes, até receber o convite para a peça. Assim como Gianecchini, ela entende que o momento é propício para relembrar o que se viveu durante o fascismo para que não seja relativizado.

“Quando o filme foi feito, era um consenso coletivo que o fascismo era uma coisa horrorosa e que não deveria nunca voltar”, analisa. “Agora, a gente aborda essa obra em um momento em que esse consenso já está flexibilizado. A gente está falando sobre o assunto para reforçar a importância de que ele não aconteça novamente.”

Para ela, a peça, assim como o filme, também é um convite a que as pessoas voltam a se escutar. “A gente vive tantas polarizações a partir dos espectros políticos, e a peça faz exatamente o movimento contrário”, diz. “Quando duas pessoas de fato se dispõem a se ouvir, elas se transformam de alguma maneira. Acho que a gente está precisando um pouco disso, né?”

“UM DIA MUITO ESPECIAL”

Quando Sextas-feiras às 20h, sábados às 17h e às 20h, e domingos às 17h

Onde Teatro Sérgio Cardoso (Sala Paschoal Carlos Magno)

Telefone (11) 3288-0136

Preço De R$ 70,00 a R$ 200,00

Classificação 14 anos

Elenco Reynaldo Gianecchini, Maria Casadevall e Carolina Stofella

Direção Alexandre Reinecke