PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – É uma história digna de um roteiro de cinema, mas Anders Torstensson garante que ainda não recebeu propostas de produtoras. O time treinado por ele, o Mjällby, de uma cidade de 1.379 habitantes e que até 2018 jogava na terceira divisão, pode se tornar campeão sueco neste fim de semana.
“É um conto de fadas. Talvez o melhor da história do futebol na Suécia”, definiu Torstensson à Folha de S.Paulo, em meia hora de conversa por telefone depois do treino desta sexta (17).
Onze pontos à frente a quatro rodadas do fim, o Mjällby (pronuncia-se “Miélbi”) pode ganhar a Allsvenskan, a liga sueca, sem entrar em campo, caso o vice-líder Hammarby não derrote o AIK no domingo (19). Ou pode garantir o título na segunda (20), fora de casa, contra o IFK Göteborg.
Embora reconheça que no futebol há uma forte correlação entre dinheiro e resultados, Torstensson conta que o Mjällby “adotou um lema” dez anos atrás: “Temos que ser os melhores nas coisas que são gratuitas. Ser gentil com companheiros de equipe não custa nada. Trabalhar duro não custa nada. Estar focado em cada treino não custa nada. Acho que isso moldou o clube.”
Evidentemente, algum dinheiro foi necessário para o Mjällby chegar lá. Em 2016, o empresário Magnus Emeus investiu no clube, levando-o à primeira divisão em 2020. Não é nenhuma fortuna, porém. Até a temporada passada, o elenco do Mjällby, somado, era avaliado no site especializado Transfermarkt em R$ 52 milhões, menos de um quarto do clube mais rico do país, o Malmö.
Com os bons resultados, a valorização foi de mais de 100%. Uma das estrelas do time é o zagueiro Axel Norén, 26, formado na base do clube e convocado este ano para a seleção sueca.
A história do técnico Torstensson, 59, pareceria inverossímil mesmo em um roteiro cinematográfico. Ex-jogador da base, ele teve passagens esporádicas como treinador, até abandonar o emprego de diretor de escola em 2023 para dedicar-se ao futebol em tempo integral. Este ano, recebeu um diagnóstico de leucemia linfática crônica.
“Por enquanto, não preciso de tratamento. Faço testes e exames de sangue a cada dois meses. Há pessoas que podem viver com esse diagnóstico a vida toda sem tratamento”, explica.
No elenco do Mjällby há oito estrangeiros, nenhum deles brasileiro. “Muitos brasileiros jogaram nos últimos anos na Allsvenskan, mas eles têm dificuldade de adaptação à Suécia”, analisa o treinador. Se pudesse escolher um para seu time, optaria por um nome do passado: “Assistia muito à seleção brasileira quando criança. Gosto muito do Sócrates, o meio-campista com grandes chutes.”
Admirador de Jürgen Klopp, o ex-técnico alemão do Liverpool, Torstensson conta que sua primeira preocupação foi montar um time sólido na defesa, para só então pensar no ataque. “Há cinco anos eu vencia jogos por 1 a 0. Agora, sou um treinador vencendo por 3 a 0. Nunca me identifiquei com treinadores que querem vencer por 5 a 4.”
Ele diz que prefere não pensar no título, mas admite que o clube já está preparando a comemoração. Se for campeão, o Mjällby entrará na segunda fase da “pré-Champions” de 2026-27, o que significa ter que superar três mata-matas para chegar à fase de liga.
Será preciso mudar-se do estádio atual, o Strandvallen (“Paredão de Areia”, em sueco, por ficar a poucos metros da praia), com capacidade para apenas 7.500 torcedores. Torstensson sabe que virão propostas de outros clubes, mas diz não pensar nisso por ora. “Não tenho agente. Não me promovo nas redes sociais. Mas, quando as propostas vêm, você tem que realmente avaliá-las.”
A pergunta que ele mais ouve atualmente é se há um segredo. “Não há atalhos, não há mágica. São muitas pessoas boas trabalhando duro dia após dia, mantendo os pés no chão, sendo humildes, apenas focando em desenvolver nosso estilo de jogo e sendo muito meticulosos com tudo que fazemos.”