SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A ANM (Agência Nacional de Mineração), responsável por fiscalizar as mineradoras, precisou reduzir o número de barragens de rejeitos fiscalizadas depois de o governo federal bloquear quase R$ 6 bilhões do órgão. Um ofício comunicando a situação da agência foi enviado a cinco ministros na quinta-feira (16), mesmo dia em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participava do novo conselho de política mineral.

De acordo com o ofício assinado pelo diretor-geral da agência, Mauro Henrique Moreira Sousa, a ANM ainda tem um déficit de R$ 3,2 milhões para inscrição em restos a pagar, o que compromete ainda mais seu orçamento.

A situação fiscal apertada fez com a agência reduzisse o número de vistorias em barragens de mineração, como aquelas que romperam e mataram centenas de pessoas em Brumadinho e Mariana —tragédia que completou dez anos em novembro.

A meta da ANM neste ano era enviar técnicos a 152 barragens, mas o bloqueio de recursos obrigou o órgão a reduzir para 135. Ainda assim, no ofício enviado aos ministros, Sousa diz que há risco elevado de que as 15 fiscalizações remanescentes não sejam executadas, “tendo em vista que o orçamento da área encontra-se praticamente zerado.”

A agência, diz Sousa, não tem previsão orçamentária nem para a realização de fiscalizações emergenciais, que normalmente demandam resposta imediata a eventos críticos de segurança. Esse tipo de fiscalização é fundamental, por exemplo, para casos de iminente risco de rompimento dessas estruturas.

O ofício foi enviado aos ministros Rui Costa, da Casa Civil; Fernando Haddad , da Fazenda; Simone Tebet, do Planejamento; Esther Dweck, da Gestão e Inovação no Serviço Público; e Alexandre Silveira, de Minas e Energia.

Procurado, o Planejamento disse que “contingenciamentos e bloqueios são realizados para que se cumpram as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal e do Regime Fiscal Sustentável” e que “cada órgão é responsável por escolher a programação que será bloqueada e efetivar o bloqueio”. Já o MME não respondeu aos questionamentos.

O órgão também precisou suspender 114 fiscalizações de empreendimentos programados para o último trimestre de 2025, devido à falta de recursos para pagar as viagens dos servidores. A suspensão inclui, por exemplo, áreas que costumam abrigar garimpos ilegais, onde populações que vivem próximas aos empreendimentos estão expostas a riscos ambientais e sociais.

Uma minuta assinada no início da semana por um superintendente da agência dizia que a suspensão das atividades do órgão poderiam expor os brasileiros a riscos e acidentes fatais. Esse texto, que chegou a ser publicado no sistema que abriga documentos digitais do governo federal, tinha como destino o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas não chegou a sair da agência.

No ofício de quinta, o diretor-geral da ANM ainda diz que o órgão precisou suspender as atividades de fiscalização do pagamento de Cfem, como são chamados os royalties da mineração. Esses pagamentos são calculados de forma voluntária pelas mineradoras e eventuais fraudes tendem a ser fiscalizadas por técnicos da agência reguladora.

De acordo com Sousa, os bloqueios no orçamento da ANM deverá provocar uma redução de 18% no montante arrecadado de royalties em relação a 2024, o que representa queda de R$ 900 milhões.

Além disso, haverá paralisação do desenvolvimento de sistemas para combate à sonegação da Cfem, como uma parceria feita entre a agência e a Receita Federal para cruzar notas fiscais com o pagamento voluntário das empresas.

Esse programa é tido como uma das principais soluções para evitar a sonegação de empresas no setor. De acordo com um relatório do TCU (Tribunal de Contas das União) relatado no ano passado pelo ministro Benjamin Zymler, 70% dos titulares de direitos minerários no Brasil não pagaram espontaneamente a Cfem entre 2017 e 2022. São esses repasses que chegam aos cofres da União, além de governos estaduais e municipais.

Por fim, a ANM diz que a entrada de 216 novos servidores à agência neste mês, apesar de aliviar parte dos processos da agência, não veio acompanhada de aumento orçamentário, o que obrigou o órgão a usar seus recursos remanescentes para garantir a ambientação e capacitação desses funcionários, além da compra de novos equipamentos e mobiliário.

Não há recursos também para pagar empregados terceirizados, no valor de R$ 690 mil, nem para pagar a ida de funcioonários para Portugal e Canadá para assinatura de acrodos de cooperação e eventos do setor, respectivamente.

“Justo no momento em que a mineração está no topo da agenda global, a agência responsável pelo setor não tem recursos mínimos para cumprir o seu papel. O Conselho Nacional de Política Mineral foi instalado com muitas ambições, mas no mesmo dia a Agência Nacional de Mineração ameaça parar por falta de dinheiro”, diz Adriano Drummond Trindade, sócio do escritório de advocacia Mattos Filho. “Não parece ser coerente. A gestão do patrimônio mineral brasileiro depende de investimento público compatível com a sua importância.”

O ofício, enviado ao mesmo tempo em que o governo federal intensifica a narrativa sobre minerais críticos, escancara as dificuldades regulatórias e financeiras do setor mineral do país. A ANM convive com a falta de servidores e contingenciamento de recursos desde sua criação, em 2017, mas o governo Lula, como a Folha mostrou, vem aumentando esses cortes.

A agência também sofre com interferências políticas e cooptação de servidores pelo setor. Um diretor da ANM, por exemplo, Caio Mário Trivellato Seabra Filho –indicado pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira– foi preso em setembro durante operação da Polícia Federal que investiga um esquema de corrupção dentro da agência. Um ex-diretor próximo do presidente do Senado, David Alcolumbre, também foi preso.

Em nota, a Amig Brasil, associação que reúne os municípios minerados do país, diz ser inadmissível que, “enquanto se promovem discursos sobre a importância de minerais estratégicos e terras raras, o básico não seja feito”. “A Amig Brasil reitera que a paralisação é a consequência inevitável de um governo que finge gerir um dos setores mais estratégicos da economia nacional. Apoiamos os servidores e exigimos que o governo federal cumpra seu dever, fortalecendo a ANM com os recursos técnicos e financeiros necessários para garantir uma mineração segura, fiscalizada e sustentável para o Brasil”, disse à Folha.