RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O número de pessoas que trabalham por meio de aplicativos, incluindo motoristas e entregadores, cresceu 25,4% em dois anos no país, apontam dados divulgados nesta sexta (17) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Esse grupo chegou a quase 1,7 milhão em 2024, após ser estimado em 1,3 milhão em 2022. Houve acréscimo de 335 mil pessoas.

O contingente de 1,7 milhão, chamado de plataformizado na pesquisa, correspondia a 1,9% do total de brasileiros de 14 anos com algum trabalho no setor privado em 2024 (88,5 milhões). A mão de obra total também cresceu ante 2022 (85,6 milhões), mas bem menos em termos proporcionais (+3,4%).

Para fins de comparação, o número de trabalhadores de apps superou a população inteira de uma capital como Recife (1,6 milhão), Goiânia (1,5 milhão), Belém (1,4 milhão) ou Porto Alegre (1,4 milhão).

As estatísticas são da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua). O levantamento investigou o trabalho por meio de quatro tipos de aplicativos.

A lista é composta pelas plataformas de transporte particular de passageiros (exceto táxi), como Uber e 99; de entrega de comida ou outros produtos, como iFood e Rappi; de prestação de serviços gerais ou profissionais, como GetNinjas, Workana e 99Freelas; e de táxi.

Em 2024, mais da metade dos plataformizados atuava no transporte de passageiros (exceto táxi). Essa parcela foi estimada em 878 mil, o que significa uma alta de 29,2% ante 2022.

Trabalhadores de plataformas de entrega de comida ou outros produtos (485 mil), de serviços gerais ou profissionais (294 mil) e de táxi (228 mil) vieram na sequência.

Todos avançaram em relação a 2022. A maior alta foi a do contingente cadastrado em serviços gerais ou profissionais: +52,1%.

Esse segmento abrange tarefas variadas, desde serviços de eletricistas, cuidado de pessoas e faxina até atividades de TI (tecnologia da informação) e tradução.

Uma mesma pessoa, em seu trabalho principal, pode atuar por meio de mais de um tipo de um app. Por exemplo: um motoboy que realiza entregas de produtos e transporte passageiros.

MAIS HORAS DE TRABALHO ELEVAM RENDA MENSAL

O IBGE disse que as plataformas geram oportunidades de renda e permitem que empresas alcancem novos mercados, mas também representam um “importante desafio” nas condições de trabalho.

Em média, o rendimento por hora dos plataformizados foi de R$ 15,40 em 2024. É um valor 8,3% inferior ao dos não plataformizados (R$ 16,80).

Os trabalhadores de aplicativos, porém, tinham uma carga horária maior. No ano passado, eles trabalharam em média 44,8 horas por semana. São 5,5 horas a mais que a jornada da população ocupada fora das plataformas (39,3).

Com mais tempo na ativa por semana, os trabalhadores de apps chegam ao final do mês com um renda mais elevada na média, segundo a Pnad. Em 2024, o rendimento mensal do grupo foi de R$ 2.996.

O valor superou em 4,2% a média dos profissionais não plataformizados (R$ 2.875). A diferença era até mais intensa em 2022 (9,4%).

O rendimento é calculado a partir do valor mensal obtido com o trabalho, descontados os custos de operação, como as taxas das plataformas e o preço do combustível, no caso dos motoristas, indicou o IBGE.

Nas duas camadas da população com menos estudo (sem instrução/fundamental incompleto e fundamental completo/médio incompleto), a renda dos trabalhadores de apps superou em mais de 40% a média dos profissionais não plataformizados em 2024.

A situação muda entre a parcela da população que conseguiu concluir o ensino superior. Nesse recorte, o rendimento médio dos plataformizados (R$ 4.263) era 29,8% inferior ao do restante dos ocupados (R$ 6.072).

O IBGE também destacou que apenas 35,9% dos trabalhadores de apps contribuíam para instituto de previdência no ano passado. É uma proporção bem abaixo da verificada entre os profissionais não plataformizados (61,9%).

Conforme o instituto, uma combinação de fatores pode explicar a ida para o trabalho por meio de aplicativos em detrimento da busca por um emprego com os direitos da carteira assinada, como férias e 13º salário.

“O rendimento mensal médio um pouco mais alto, principalmente para as categorias de escolaridade mais baixa, pode ser um incentivo”, afirmou Gustavo Geaquinto Fontes, analista do IBGE.

“A flexibilidade também é uma possibilidade. A pessoa escolhe os dias em que vai trabalhar, a jornada, o local de trabalho.”

O pesquisador ainda chamou a atenção para a categoria descrita como profissionais das ciências e intelectuais.

Esse grupo, que em geral tem maior qualificação, respondeu por apenas 5% do total de plataformizados em 2024, mas mostrou o maior crescimento em pontos percentuais (+1,5 p.p.) ante 2022, quando a participação era de 3,5%.

Trabalhadores que prestam serviços por meio de apps em áreas como TI e telemedicina são exemplos de profissionais das ciências e intelectuais, de acordo com Gustavo.

É SÓ PARA PAGAR AS CONTAS, DIZ MOTORISTA

Os homens são a maioria dos plataformizados. Em 2024, responderam por 83,9% do total.

O IBGE lembrou que profissões como motoristas e entregadores tradicionalmente contam com grande inserção masculina.

Mais da metade dos trabalhadores de apps tinha ensino médio completo ou superior incompleto no ano passado: 59,3%.

É o caso do Valber Nogueira, 48, que atua como motorista de aplicativo desde 2019. Inicialmente, ele exercia a função para complementar a renda no Rio de Janeiro, mas, com a perda de um emprego na área gráfica em 2020, a plataforma virou a principal forma de sustento.

Valber, contudo, afirma que os valores recebidos com as corridas ficaram defasados e relata que o custo de manutenção do carro aumentou bastante.

Por isso, o motorista subiu a carga de trabalho de cerca de 8 para 12 horas por dia. Ele conta que tira no máximo duas ou três folgas por mês.

Com conhecimentos em áreas como TI, o carioca cogita fazer cursos para trocar de profissão e sair do universo dos aplicativos.

“Antigamente, você conseguia pagar as contas e juntar um dinheiro. Hoje em dia, só está pagando as contas.”

A PESQUISA

A pesquisa do IBGE é realizada por meio de convênio com a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e o MPT (Ministério Público do Trabalho).

A primeira edição coletou os dados no quarto trimestre de 2022, e a segunda, no terceiro trimestre de 2024. Apesar da diferença dos trimestres, os resultados são comparáveis, disse o instituto.

O número de 1,7 milhão de pessoas é relativo ao contingente cujo trabalho principal era desenvolvido por meio de apps. Ou seja, quem usa as plataformas para complementar a renda de outro emprego não é contabilizado.

A Pnad considera plataformas que fazem a intermediação entre empresas, trabalhadores e consumidores. Nesse processo, há algum nível de controle por parte das companhias sobre as atividades realizadas.

A pesquisa não perguntou as razões por trás do crescimento dos apps. O quesito deve aparecer na próxima edição, segundo o IBGE.

No caso das plataformas de entrega, além dos entregadores, o levantamento também considerou as pessoas que exploravam um negócio próprio por meio desses aplicativos, como profissionais por conta própria da área de alimentação.