SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Hebert Vinicius Silva de Santana, 21, não pôde comemorar a aprovação em medicina em 2 das 10 mais conceituadas universidades públicas do país, a UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e a Unesp (Universidade Estadual Paulista).

Ele estava em coma em, uma hospital da Grande São Paulo, após ter sofrido um gravíssimo acidente de carro. A tradicional raspagem da cabeça feita nos calouros, para ele, teve outro motivo: realizar uma cirurgia que retirou parte de seu crânio para impedir que o inchaço no cérebro não o levasse à morte.

De forma excepcional, a UFPE segurou a vaga em seu curso mais concorrido por um ano e meio, até que Heberth se recuperasse e pudesse frequentar as aulas. Além da cirurgia na cabeça, ele teve uma lesão medular e ficou paraplégico, passando a usar cadeira de rodas.

O acidente que feriu gravemente o estudante aconteceu na rodovia Anchieta, entre São Bernardo no Campo e São Paulo. Ele tinha vindo para a capital paulista para fazer a segunda fase do vestibular da Fuvest, também para medicina. Em 2022, Heberth havia sido aprovado em direito, na USP.

O estudante estava no banco de trás do carro que era dirigido por seu tio, que acelerou para fugir de um assalto e acabou perdendo controle do veículo, que capotou.

“Não me lembro de nada. Sei que os bombeiros me socorreram por último porque achavam que não havia ninguém na parte de trás do carro, que ficou totalmente amassada. Minhas pernas estavam dobradas nas minhas costas”, diz Herberth.

A mãe do jovem, Rozilda Maria da Silva, é enfermeira e estava no Recife, atendendo uma vítima de acidente medular por mergulho, quando recebeu a informação da fatalidade envolvendo o filho.

Ela largou tudo e foi no primeiro voo para São Paulo, acompanhar o filho. Logo que chegou e se inteirou da situação, ligou para a avó de Herberth, Amara Quitéria da Conceição, que era cuidada pelo neto.

A avó não suportou o peso emocional das informações e teve um infarto fulminante. Rozilda teve de voltar para o Recife para enterrar a mãe e, logo em seguida, ir novamente para São Paulo socorrer o filho.

“O senhor [Deus] ouviu a minha vontade de querer ser aprovado em medicina. Mas, ao mesmo tempo, ele colocou um objetivo dele que seria ter impacto em outras vidas por meio da minha. Vou me tornar um médico sendo uma pessoa com deficiência”, afirma o estudante.

Rozilda tem sentimento semelhante ao do filho. “Vi a fé de uma forma extraordinária. Entender para que você veio ao mundo. A gente está descobrindo aos poucos. Essa vida nova, após o acidente, é muito dolorosa. É muita limitação. Viver pensando em adaptação, em lutar por acessibilidade. É um mundo novo que estamos dispostos a viver. Meu filho está vivo e consegue ser o que quiser ser. A cadeira de rodas é um instrumento que vai levar ele onde ele quiser ir.”

Após 35 dias na UTI, o estudante perdeu a matrícula na Unesp, mas conseguiu sensibilizar a UFPE. De forma excepcional, a universidade guardou a vaga de Heberth até setembro deste ano, quando ele, já reabilitado na rede Lucy Montoro, em São Paulo, pôde voltar para casa, agora, cadeirante.

“Minha mãe nem queria fazer a matrícula porque falavam que, se eu saísse do hospital, iria ficar em estado vegetativo, tinham muitas intercorrências.”

A universidade explicou que um processo administrativo interno, atendendo a normas da instituição, baseado na questão de saúde envolvendo Heberth, justificou os trancamentos da matrícula durante o período que ele precisou.

Há pouco mais de um mês frequentando as aulas, o estudante sente agora o impacto da falta de condições de acesso dentro do campus. Há falhas em elevadores, falta de rampas, falta de banheiros acessíveis para pessoas com deficiência.

“Os colegas são muito receptivos. A galera abraçou a causa e está junta junta comigo para brigar por mais acessibilidade. Estou vivendo meu sonho e sinto que não estou sozinho.”

De acordo com a UFPE, o Núcleo de Acessibilidade da instituição está procurando atender as demandas de Heberth e de outros alunos com deficiência.

“Estamos reunindo esforços para mantermos e sempre otimizar os ajustes pedagógicos, psicológicos, e de infraestrutura que compete ao nosso centro acadêmico. Já nos reunimos também com o núcleo de acessibilidade da UFPE, com as diretorias de outros dois centros acadêmicos, por onde nossos estudantes de medicina passam em sua jornada”, afirmou o diretor da faculdade de medicina, campus Recife, da universidade, Luiz Alberto Mattos.

O estudante já se preocupa em como fará para conseguir desempenhar funções acadêmicas futuras, como acompanhar cirurgias e procedimentos médicos em que precisaria, supostamente, ficar em pé, como fazer instrumentação.

“Acredito que seja de extrema necessidade que as instituições, tanto federais quanto particulares, pensarem não apenas na acessibilidade urbanística ou comunicacional, como oferecer material em braile. Isso é ação de um curto prazo. É preciso pensar realmente na formação da pessoa, daquele futuro profissional”, afirma Heberth.