CAMPINAS, SP (FOLHAPRESS) – Conhecido ponto de prostituição em Campinas, o Jardim Itatinga vive desde 2023 uma explosão de casos de extorsão, sequestros e ameaças a clientes, muitos deles de outras cidades paulistas.

O alto número de ocorrências levou a uma investigação da Polícia Civil, por meio da DIG (Delegacia de Investigações Gerais). A apuração apontou que o PCC (Primeiro Comando da Capital) estaria por trás da onda de casos.

Segundo investigadores, membros ligados à facção se infiltraram em algumas das casas de prostituição do bairro, conhecido como “Disneylândia da prostituição”, e passaram a usar as profissionais do sexo como iscas para os crimes.

Nas ruas, as mulheres negociam o programa com os clientes, por valores que variam de R$ 70 a R$ 150. De acordo com a polícia, as vítimas entram nas casas e, depois do serviço, vem a cobrança muito maior: R$ 800, R$ 2.000 e até R$ 5.000.

Em parte das vezes, nem há o serviço, explica o delegado titular da DIG, Marcel Fehr, que conduz a investigação. “Logo ao entrar nas casas os clientes já são surpreendidos pelos criminosos, com armas e agressões.”

As vítimas são mantidas nas próprias boates e obrigadas a transferir dinheiro, além de terem pertences roubados.

Em um ano, a quadrilha movimentou ao menos R$ 1,2 milhão com as extorsões, ainda segunda a polícia. Esse valor contabiliza apenas o prejuízo das vitimas que registraram ocorrência. Isso indica que os lucros da quadrilha devem ser maiores.

Trata-se de negócio certeiro, de acordo com a investigação, já que na maioria das vezes os clientes, envergonhados (ou casados), não denunciam o crime. Quando o fazem, mentem durante o depoimento.

“Não dá para quantificar quantos casos aconteceram, porque quando registram ocorrência, as vítimas alegam que foram vítimas de roubos e sequestros, como forma de ocultar que estavam em uma casa de prostituição”, afirma Fehr.

No dia 15 de julho, a Polícia Civil fez uma operação contra a quadrilha, em conjunto com o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), do Ministério Público estadual.

A ação terminou com 12 pessoas presas, todas ligadas à facção, segundo investigadores. Quinze dias depois, um novo caso de extorsão, denunciado pelas vítimas, levou à prisão de duas mulheres e três homens.

A polícia afirma que, ao todo, 25 pessoas de um núcleo mais elevado do PCC comandam as operações no bairro. Há responsáveis por selecionar as boates que serão usadas, sequestrar as vítimas, vender pertences roubados e cuidar de movimentações financeiras.

A investigação, ainda em curso, busca identificar cerca de cem pessoas que cediam contas para receber as transferências bancárias e, depois, repassar ao PCC.

“Uma das características do PCC é se envolver em diversos ramos de atividade. Todos aqueles que apresentem uma lucratividade para o grupo criminoso chama a atenção, tanto pela possibilidade de lavar dinheiro quanto pela possibilidade de angariar valores, através da extorsões e da exploração sexual”, afirma o delegado Luiz Fernando Oliveira, da DIG.

Reportagem da Folha esteve no bairro em duas ocasiões durante o mês de setembro.

Na primeira visita, sem se identificar, conversou com três mulheres sobre os casos de extorsão no bairro. Todas afirmaram não saber nada sobre o assunto. Duas disseram, em seguida, que crimes do tipo nunca aconteceram nas casas em que trabalham.

Uma delas disse que a onda de casos tem afastado clientes do Jardim Itatinga, que existe como bairro de prostituição desde a década de 1970.

Na segunda visita, a reportagem percorreu o bairro em uma noite de sexta-feira, um dos dias mais movimentados. Nas ruas Pacaembu, Guaiçara e Dracena, havia bastante movimento. Carros com grupos de homens paravam nas vias para negociar programas.

Na avaliação do delegado Fehr, o bairro, que já inspirou músicas, está em decadência, perdendo espaço para a migração dos serviços sexuais para a internet, além de os crimes afastarem frequentadores.

“As extorsões constituem um dos crimes, mas ali acontece exploração sexual de adolescentes, furto e falsificação de bebidas. Hoje, a quantidade de boates não é nem a metade do que já foi anos atrás.”

O Jardim Itatinga foi estruturado durante os anos 1960 como um local destinado a concentrar a prostituição da cidade, antes distribuída também pela região central e por bairros nobres, como o Taquaral. Todas as casas de prostituição que funcionavam em outras regiões foram direcionadas para o bairro.

No Brasil, a prostituição não é crime, mas o Código Penal criminaliza qualquer forma de exploração sexual, como manter casa de prostituição, tirar proveito do trabalho sexual de outra pessoa, induzir alguém à prostituição ou promover tráfico de pessoas para fins sexuais.