SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um estudo brasileiro recentemente publicado na revista European Psychiatry aponta que o programa Bolsa Família pode exercer um efeito protetor sobre a saúde mental de crianças e adolescentes em situações de alta vulnerabilidade social.

A pesquisa, conduzida com 1.189 participantes acompanhados em dois momentos ao longo de um ano, mostrou que os benefícios estão associados à redução de sintomas de depressão, ansiedade e distúrbios de comportamento entre jovens expostos a violência, pobreza extrema e eventos estressantes no lar ou na comunidade.

De acordo com a primeira autora do estudo, Cristiane Silvestre Paula, professora associada do programa de pós-graduação em distúrbios do desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o achado é inédito por mostrar que o Bolsa Família não impacta igualmente todos os beneficiários, mas exerce efeito protetor especialmente entre os mais vulneráveis.

“Os estudos anteriores mostravam resultados ambíguos, porque analisavam todo o grupo de beneficiários junto”, explica.

O trabalho coletou dados de jovens moradores de Itaboraí, no Rio de Janeiro, cidade com altos índices de violência e grande número de famílias atendidas pelo programa. As mães responderam a entrevistas sobre condições socioeconômicas, exposição à violência e saúde mental dos filhos.

Segundo a pesquisadora, embora o levantamento tenha sido feito em um único município, ele é representativo de populações pobres urbanas brasileiras, semelhantes às de periferias de grandes cidades como São Paulo, Salvador e Porto Alegre.

Para lidar com as diferenças entre beneficiários e não beneficiários, os pesquisadores usaram uma técnica chamada pareamento por escore de propensão, que cria grupos comparáveis em características como idade, sexo e renda familiar.

“É um tipo de análise usada em estudos epidemiológicos no mundo todo. Assim, conseguimos isolar o efeito do programa e avaliar as mudanças ao longo do tempo”, diz Cristiane Silvestre Paula.

Na avaliação dos autores, o Bolsa Família pode contribuir para a saúde mental por reduzir a instabilidade cotidiana associada à pobreza.

“Quando uma família vive sem saber se vai conseguir pagar o aluguel ou comprar comida, isso gera ansiedade e tensão constante. O benefício ajuda a diminuir esse estresse e a sensação de insegurança”, afirma a autora.

Ela acrescenta que, em muitos casos, o impacto emocional se reflete nas relações familiares.

“Algumas mães relataram que, com o dinheiro, podiam comprar um pequeno presente para o filho, como um tênis ou um lanche. Isso melhorou o humor e a autoestima das crianças e também ajudou a reduzir o estresse dos pais, o que pode diminuir conflitos e até a violência doméstica.”

Para a pesquisadora, os resultados reforçam a importância de integrar políticas sociais e de saúde mental. “O Bolsa Família é uma política barata e eficaz. Se fosse associado a um pequeno componente de apoio psicológico e priorizasse famílias em contextos de maior vulnerabilidade, o impacto seria ainda maior”, avalia.

Arthur Fernandes, diretor na SBMFC (Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade), diz que o efeito protetor do Bolsa Família pode ser entendido como um “amortecedor” diante das camadas de vulnerabilidade vividas por muitas famílias.

“Quando uma criança cresce em um ambiente de múltiplos riscos, ela está sujeita a várias fontes de sofrimento. O Bolsa Família funciona como um amortecedor desses impactos. Não elimina todos os problemas, mas reduz parte do estresse ao garantir o mínimo de segurança alimentar e previsibilidade financeira”, afirma.

O médico também diz observar esse impacto na prática, no cotidiano da atenção primária à saúde. Segundo ele, as famílias que participam do programa e têm acompanhamento regular nas unidades básicas de saúde costumam apresentar menos sofrimento psíquico.

“Vemos crianças com a vacinação em dia, frequência escolar e desenvolvimento adequado. E pais mais serenos, com menor sensação de desamparo”, conta.