BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Escolhida pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) para comandar a nova Secretaria Extraordinária do Mercado de Carbono, Cristina Reis defende que o Brasil tenha uma bolsa de valores forte para o setor e vê os negócios na área funcionando a todo vapor no país dentro de cinco anos.
Esta é a primeira vez que a Fazenda terá uma divisão específica para tratar de um tema ambiental. A criação, feita a menos de um mês da COP30 (conferência das Nações Unidas sobre mudança climática), foi publicada no Diário Oficial da União nesta quinta-feira (16). O nome de Reis foi antecipado pela Folha de S.Paulo.
O setor se prepara para ganhar impulso após a criação da lei sobre o mercado de carbono sancionada em dezembro do ano passado, que estabelece no Brasil o chamado “cap and trade” (teto e negociação). O mecanismo determina um limite para a emissão de poluentes por parte de setores e empresas e obriga que o excedente seja compensado com a compra de créditos de carbono.
“O Brasil tem condições para ter uma bolsa de valores bastante importante mundialmente na comercialização de crédito de carbono”, diz à reportagem, em sua primeira entrevista após ser confirmada para o cargo.
“A gente precisa, neste mercado, ter protagonismo. Não deixar que outras bolsas de valores [de outros países] assumam o protagonismo da construção desse negócio.”
Ela prefere deixar a definição da estrutura desta bolsa para o mercado. Por exemplo, se o ideal é criar uma nova, ter mais várias concorrentes ou ainda impulsionar opções já existentes -como a B3, em São Paulo.
A lei brasileira estipula 25 mil toneladas de gás carbônico por ano como o máximo de emissões. Estão incluídos nesse escopo setores como transportes e construção civil -mas não o agronegócio, que, durante a tramitação do projeto, conseguiu ficar isento das obrigações legais e pode negociar créditos apenas de forma voluntária.
A lei aprovada exige ainda uma série de definições de forma a regulamentar este mercado, o que ficará mas mãos da secretaria comandada por Reis. Entre os primeiros desafios, está o de definições sobre obrigações específicas de cada setor, conforme sua emissão.
Será necessário também determinar quais são as metodologias válidas para contabilidade das emissões. No caso dos aviões, por exemplo, se será considerada cada aeronave individualmente, um balanço geral para cada empresa ou um total do setor.
Também é preciso definir quais gases de efeito estufa serão levados em conta, se apenas o dióxido de carbono ou também outros, como o metano (que é ainda mais potente para o aquecimento global do que o gás carbônico, quando comparadas as moléculas de cada um).
Somente os créditos mensurados a partir das metodologias aprovadas pela Secretaria de Carbono é que poderão ser comercializados no país. A certificação será independente.
A lei também trata de tipificações para basear o mercado voluntário de carbono, no qual entram créditos de setores não incluídos no regulado, como o agro, o de resíduos, o de atividades relacionadas a florestas ou o de submercados regionais.
Reis defende que a regulamentação dê atenção às peculiaridades nacionais, ou seja, leve em consideração aspectos sociais (como a participação de povos indígenas), ambientais (como as especificidades de biomas como o cerrado e o pantanal) e econômicos (como o uso de biocombustíveis e a matriz energética amplamente limpa do Brasil).
“Na questão das metodologias talvez é onde se faça valer de uma forma mais forte o DNA brasileiro da lei. É um compromisso que a gente tem que ter, primeiro, com a integridade do crédito de carbono, que ele tenha um benefício ambiental de verdade, que ele não tenha dupla contagem”, diz ela.
Por outro lado, como um dos principais potenciais econômicos do mercado são as negociações internacionais, ela defende diretrizes compatíveis com as desenvolvidas em outros países como China, Reino Unido ou o bloco europeu em geral.
A compatibilidade não é simples. A dinâmica de emissões na floresta amazônica, no cerrado ou no pantanal são diferentes entre si e também em relação a outros biomas do mundo. A produção agropecuária brasileira não tem o mesmo perfil da europeia, em outro exemplo.
“Tem um desafio nesse mundo de carbono, para desenvolver essas metodologias: conseguir medir tudo isso e ver o quão íntegro [é o crédito]”, diz. “Essa credibilidade da metodologia, da integridade, o mercado também está ajudando a entender”, afirma ela, mencionando que atualmente já existem inclusive agências de rating para o setor.
Todo o mercado é baseado no cálculo de emissões de gases em nível nacional. A partir daí, os créditos são emitidos pelo governo, como ativos, e é feita a divisão de cotas de crédito para aqueles que têm direito de receber.
A lei prevê a possibilidade também de leilões onerosos, mas Reis afirma que isso só deve acontecer em uma fase final da regulamentação.
“Quando [o mercado de carbono brasileiro] vai estar a todo vapor, começando com os leilões onerosos? Em cinco anos”, diz.
Reis ainda não foi nomeada para o cargo e segue formalmente como subsecretária de desenvolvimento econômico sustentável do Ministério da Fazenda. Nesta função ela já comanda a regulação do setor desde 2024.
Ela vai convidar para ser seu secretário adjunto José Pedro Neves, que é seu braço direito na Fazenda.
Para a Subsecretaria de Regulação e Metodologias ela vai chamar Thiago Barral, servidor da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) que já foi secretário de Transição Energética do Ministério de Minas e Energia.
Para a de Implementação, que tem como missão colocar de pé o SBCE (Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa), deve vir Ana Paula Machado, atual diretora de Governança Climática do Ministério do Meio Ambiente.
Reis defende a criação de uma agência independente para regular este setor, com uma estrutura robusta, e afirma que o objetivo do governo federal é que a secretaria seja apenas um instrumento transitório. Como a criação de novos órgãos depende de um processo mais complexo, com participação do Congresso, isso ainda não tem data para acontecer.
De qualquer forma, para ela, o mercado de carbono é um caminho sem volta. “Ele veio para ficar e vai crescer em todos os sentidos”, diz.