SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Alguns dos principais cientistas políticos do país se reuniram, na noite desta quinta-feira (16), em uma das mesas de debate mais aguardadas da 49ª edição do Encontro Anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais). Intitulada “A democracia brasileira em outubro de 2025”, a conferência tratou da conjuntura política do país, um mês depois do STF (Supremo Tribunal Federal) condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado e a dois meses do ano eleitoral.

Participaram da mesa Argelina Figueiredo (Uerj), Antonio Lavareda (Ipespe), Oscar Vilhena Vieira (FGV-SP), e Silvana Krause (UFRGS), todos sob a coordenação de Maria Hermínia Tavares de Almeida (USP). Em geral, a avaliação dos especialistas aponta para um cenário de instabilidade da democracia brasileira, com importância crescente do Congresso e a diferença ideológica marcante entre Legislativo e Executivo.

O seminário se iniciou com a explanação da professora de ciências políticas da UFRGS Silvana Krause, sobre a atual representação partidária. Segundo ela, o cenário é de fragmentação crescente, que espelha a instabilidade da democracia brasileira. De acordo com a professora, essa instabilidade também pode ser verificada em países da Europa, como Alemanha e França.

“O centrão raiz não tem hoje uma liderança nacional, seus líderes estão em oligarquias regionais, num cenário de fragilização do bolsonarismo raiz e em um bom momento para Lula”, disse Krause. Em sua apresentação, ela mostrou como o uso de emendas contribui para essa conjuntura volátil, desgastando a imagem dos partidos e do Congresso na sociedade. “Na nova democracia, a maior parte da população não tem preferência partidária”, afirmou Krause.

Alguns eventos recentes determinam o momento político do país: a condenação de Bolsonaro a 27 anos de prisão, o que gera um momento de incerteza no campo da direita, inclusive para definir o candidato em 2026, a interferência dos Estados Unidos no Brasil com o tarifaço e a relação conturbada entre Lula (PT) com o Congresso Nacional, onde a base governista tem uma presença minoritária.

Em sua intervenção, a professora de ciências políticas da Uerj Argelina Figueiredo sublinhou a distância ideológica entre Lula e a maioria dos congressistas, algo que contribui para a instabilidade. Contudo, sua fala teve o objetivo de nuançar certas sentenças sobre a relação entre esses dois Poderes. “O orçamento impositivo não destituiu o poder de controle do orçamento do Executivo, tornando-o refém”, ela afirmou.

“De fato, o governo sofreu derrotas, mas ele também conseguiu sucesso expressivo em algumas medidas cruciais para o Executivo.” Segundo Figueiredo, tampouco é possível afirmar que o governo Lula deixou de operar segundo as características de um presidencialismo de coalização. Segundo afirma a professora, trata-se apenas de um momento de maior choque entre Executivo e Legislativo.

Nesse contexto conflituoso, o STF (Supremo Tribunal Federal) surgiu como uma das instituições mais decisivas para os rumos do país. Professor da escola de Direito da FGV, Oscar Vilhena refletiu, em sua explanação, sobre a erosão de autoridade enfrentada pela corte. O protagonismo do STF, disse ele, não foi uma usurpação do poder, como defendido pelos críticos, estando previsto na Constituição Federal.

A corte, segundo Vilhena, extrapola seu poder de atuação diante da omissão de outras instituições, como a Procuradoria-Geral da República, provocando uma desconfiança de parcelas da sociedade. “Precisamos transformar o Supremo em uma corte constitucional, sem a competência criminal e os recursos pelos quais é responsável julgar”, afirmou Vilhena, acrescentando que tal medida precisaria de uma emenda na Constiuição, algo difícil de ser realizado no momento. Por isso, o professor indica a necessidade de uma autocontenção do STF, por meio de mais decisões tomadas em colegiado.

Último a proferir sua intervenção, Antonio Lavareda, cientista político e sociólogo do Ipespe, buscou questionar a ideia de que uma polarização calcificada impediria a plasticidade da opinião pública no Brasil. “O 8 de janeiro de 2023 não foi fruto de uma polarização, a trama golpista não foi fruto de uma polarização, foram frutos de uma radicalização”, afirmou Lavareda. Segundo ele, se de fato houvesse uma polarização calcificada, esta deveria explicar os riscos sofridos pela democracia em tempos recentes.

Fundada em 1977, a Anpocs reúne mais de uma centena de centros de pós-graduação e de pesquisa em diversas áreas das ciências humanas. O encontro anual da associação é um dos eventos mais tradicionais para difusão do pensamento acadêmico, atraindo a atenção de pesquisadores, professores e estudantes, além dos 1.200 afiliados da própria entidade sem fins lucrativos. A Anpocs visa incentivar a pesquisa na área das ciências sociais, divulgar estudos e contribuir para que especialistas solucionem problemas do país.

Neste ano, o encontro acontece de 15 a 24 de outubro. Além da mesa sobre o momento da democracia, se destacam também uma conferência, marcada para a sexta-feira (17), sobre os dois anos da guerra em Gaza, reunindo o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro (USP) e o professor de direito internacional Paulo Casella (USP). No mesmo dia, haverá mesa sobre coesão social, com Leonardo Avritzer (UFMG), Félix Lopes (Ipea), Antônio Brito (Ipea) e Roberto Pires (Ipea).