WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – O primeiro encontro entre o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, desde que os presidentes Donald Trump e Lula (PT) iniciaram contatos terminou sem acordo sobre tarifas, mas representou a largada para uma negociação séria pela redução das sobretaxas. A avaliação é de integrantes do governo brasileiro.
Oficialmente, ambos os lados falaram que as conversas foram positivas em um comunicado conjunto, sinalizando sintonia e concordância no relato dos dois governos. A percepção também foi compartilhada nos bastidores por membros da ala comercial de Trump, segundo relatou um interlocutor americano à reportagem.
Embora não haja uma decisão imediata pela diminuição das sobretaxas, a conversa foi considerada boa por indicar a disposição dos dois lados para um acordo. Durante a reunião, nesta quinta-feira (16), também ficou acertado que os ministros vão trabalhar para que haja uma conversa presencial entre os presidentes, em data a ser definida em breve.
Em declaração divulgada no início da noite, o representante do Comércio dos EUA, Jamieson Greer, Rubio e e Vieira afirmaram que houve “conversas muito positivas sobre comércio e questões bilaterais em andamento”.
“O embaixador Greer, o secretário Rubio e o ministro Mauro Vieira concordaram em colaborar e conduzir discussões em múltiplas frentes num futuro próximo, estabelecendo um caminho de trabalho conjunto”, diz a declaração.
O comunicado não atrela as sobretaxas a decisões do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), e à condenação de Jair Bolsonaro (PL), como já fizeram Rubio e Greer anteriormente ao tratar do tema. Para integrantes do governo brasileiro, isso é mais um sinal de que há uma orientação para que se avance em acordos comerciais, a despeito de questões políticas.
Após o encontro, Vieira também afirmou que este é um “início auspicioso de processo negociador” com os Estados Unidos. O ministro também disse que pediu o fim de sanções aplicadas pelos EUA, como suspensão de vistos e punições financeiras a autoridades.
Este foi o primeiro encontro presencial entre representantes de alto escalão dos dois governos desde que Lula e Trump tiveram uma rápida interação durante a Assembleia Geral da ONU. Depois, ambos os presidentes conversaram por telefone. Trump reafirmou publicamente ter tido uma “química” com Lula.
A agenda desta quinta se deu em dois momentos. Na primeira parte, Vieira conversou com Rubio a sós na Casa Branca por cerca de 15 minutos. Depois, houve uma conversa ampliada, com equipes de ambos os governos. Do lado americano, participaram o representante comercial Jamieson Greer e integrantes do Departamento de Estado. Do brasileiro, foram a embaixadora do Brasil em Washington, Maria Luiza Viotti, e outros diplomatas.
Na reunião estendida, as partes trataram só de assuntos comerciais e não discutiram temas como a situação de Bolsonaro, citado por Trump ao justificar o tarifaço, ou a questão da Venezuela.
No lugar, Vieira renovou o pedido pela reversão das tarifas de 50% aplicadas contra o Brasil. Rubio disse que o tema seria encaminhado por Greer, que propôs então a criação de um cronograma de trabalho entre as equipes para avançar nas discussões. As partes também não trataram de produtos específicos.
O teor do encontro privado não foi revelado, mas diplomatas dizem que questões políticas e bilaterais serão tratadas por Rubio e Vieira diretamente. Interlocutores do governo americano ligados ao Departamento de Estado minimizaram o aspecto positivo da reunião e disseram que, para o secretário de Estado, a parte política ainda importa. Ainda assim, os encontros desta quinta foram descritos pelos participantes como cordiais e amigáveis.
Os EUA impuseram dois tipos de tarifas ao Brasil. Uma delas, a de 10%, de caráter considerado recíproco como aplicado a todos os países. Depois, em julho, implementou sobretaxas adicionais de 40% justificadas por motivos políticos. No decreto em que as estabeleceu, Trump citou o que vê como decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) que censuram empresas e cidadãos americanos.
Depois, empresários e alas do governo americano entraram em campo para tentar convencer Trump a reverter as tarifas, o que culminou na conversa com Lula.
A reportagem apurou que, antes da reunião, integrantes do governo Lula adotavam cautela e ponderavam que o encontro não seria definitivo. O time brasileiro preparou sugestões em três frentes caras aos americanos para sinalizar uma oferta e tentar azeitar o clima: discussões sobre etanol, minerais críticos e big techs. Esses temas ainda devem ser tratados no decorrer das negociações.
A ideia é fazer gestos nas áreas de interesse aos EUA para empurrar a negociação ao campo comercial e conseguir a reversão das tarifas. Em relação ao etanol, o governo considera retomar o regime de cotas ou mesmo criar mecanismos para incentivar que o etanol americano entre por portos brasileiros no Sudeste.
O principal temor de produtores e políticos brasileiros com a possível entrada de etanol de milho americano são as usinas do Nordeste, menos mecanizadas e de menor competitividade do que no Sudeste. Trata-se de um tema com alta sensibilidade política e que mobiliza políticos nordestinos no Congresso.
Com relação a minerais críticos, há interesse do Brasil em criar uma indústria para a exploração desses bens. Uma ideia na mesa é oferecer aos EUA uma parceria de investimento, na qual o país ajudaria a bancar a exploração desses minerais em troca da garantia de uma cota de compra.
No setor de big techs, o governo considera haver pouco a fazer, já que as discussões são centradas no Congresso e no STF. Mas haveria a possibilidade de discutir assuntos relacionados à regulação feita pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) às empresas. Para os dois últimos setores, o governo poderia oferecer a criação de grupos de trabalho que elaborarão propostas sobre o tema.