SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Colagens misturam pinturas cristãs da Idade Média com fotografias de soldados mutilados nas trincheiras da Segunda Guerra Mundial. Sobrepõem cenas de filmes pornográficos a pinturas renascentistas de delicada simetria. Enquanto isso, televisores de tubo transmitem uma aflitiva operação na córnea e movimentos de penetração realizados por uma máquina industrial. No chão, esculturas geométricas de ferro evocam a dureza metálica da era industrial.

As obras incômodas de Deyson Gilbert estão agora na galeria Martins&Montero, em São Paulo. Quem entra na mostra “Thanateros” é orientado a olhar, através de um binóculo na parede, uma pequena luz em forma de cruz por alguns segundos. A sombra das duas linhas fica na retina, e tudo o que é observado em seguida parece ser mediado pela mira de uma arma.

As imagens, ao mesmo tempo belas e grotescas, funcionam como uma provocação. Gilbert investiga como o olhar ocidental aprendeu, ao longo dos séculos, a venerar a violência. “A perspectiva [na arte] na Europa se dá ao mesmo tempo que o desenvolvimento da balística”, afirma o artista. “O olhar passa a ser uma forma de coerção do mundo.”

A ideia, ele diz, era representar o olhar não como um agente passivo usado simplesmente para interpretar as coisas, mas como ferramenta que ordena o mundo ao impor a ele uma estética.

Entre as obras de Gilbert, passeia uma galinha. O animal, que está abrigado na galeria até o fim da mostra, faz parte de um trabalho guiado pelo manifesto “Sobre o Estrangulamento Lógico de Três Galinhas”, que defende o sacrifício de três aves como experimento.

Não se sabe ao certo, porém, se as duas galinhas mencionadas foram de fato mortas e se esse será o destino trágico da terceira, que tem até uma pequena casinha de madeira para descansar no jardim do casarão no luxuoso bairro paulistano dos Jardins.

A aflição do público em relação ao abate do animal, que o artista prefere não dizer se de fato acontecerá, é o resultado esperado da obra, que soa como uma provocação à ordem tecnocrática e industrial do século 20, responsável por defender o sacrifício de comunidades, do ambiente e de suas criaturas em prol do progresso. “A mostra observa a violência organizada, na qual o sacrifício é sempre o do outro”, diz Gustavo Motta, organizador da exposição.

Entre as esculturas, está uma réplica despedaçada de “Formas Únicas de Continuidade no Espaço”, célebre escultura do futurista italiano Umberto Boccioni. São muitas, aliás, as referências ao movimento de vanguarda europeu que glorificou o caos da sociedade de máquinas, indústrias e guerras que nascia no século 20.

Aqueles artistas, eventualmente, apoiaram o fascismo, ideologia que pregava a violência -e, tragicamente, muitos deles morreram nos campos de batalha.

Já a pornografia, diz Gilbert, é reflexo de “uma sexualidade pervertida pelo campo das imagens”. Nem mesmo o desejo, um ímpeto tão humano, tão primário, escapou de toda a violência do olhar contemporâneo.

THANATEROS

Quando De terça a sexta, das 10h às 19h; Sábado das 11h às 18h. Até 18/10

Onde Galeria Martins&Montero – r. Jamaica 50

Preço Grátis