SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma análise do TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) apontou que a contratação de policiais militares aposentados para atuar em escolas cívico-militares configura uma “distorção fundamental” das regras da corporação. O programa é uma das apostas do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) para a educação.

A implementação do programa foi suspensa em setembro deste ano pelo conselheiro Renato Martins da Costa, do TCE. Ele determinou a imediata suspensão do processo de seleção para a contratação dos policiais.

Procurada, a Secretaria Estadual de Educação não comentou sobre o documento. Em outras ocasiões, a gestão defendeu o programa, afirmando que a iniciativa “amplia as opções de gestão escolar, assegurando um ambiente de aprendizagem seguro e de qualidade para os estudantes”.

A medida atendeu a um pedido de parlamentares do PSOL, que alegaram não haver previsão na lei orçamentária deste ano para a contratação dos policiais. Também defenderam que o edital de seleção desrespeita o princípio da impessoalidade por contratação sem concurso público de cargos em comissão e não temporários, além de ferir o princípio da isonomia funcional e do acúmulo de remunerações.

Agora, a medida segue para apreciação dos demais conselheiros do tribunal, que vão analisar o mérito do pedido. Um documento produzido pelo Dipe (Departamento de Instrução Processual Especializada) recomendou que a medida seja confirmada e o edital seja anulado.

A análise apontou que a contratação dos policiais aposentados configura um “verdadeiro desvio de finalidade”, uma vez que a lei que dispõe sobre a inatividade dos componentes da PM de São Paulo não prevê esse tipo de função dos aposentados.

“A transferência de militares da reserva designados […] para o ambiente civil das escolas estaduais representa uma distorção fundamental do instituto, que foi concebido precisamente para atender a necessidades internas das organizações policiais militares”, diz o documento.

A análise apontou ainda problemas na forma como foi concebido o edital de seleção, que previa apenas a análise do currículo e entrevista com os candidatos sem a aplicação de provas. O documento aponta que esse tipo de seleção é dotado apenas de “objetividade”, o que pode desrespeitar o princípio de impessoalidade para a contratação em órgãos públicos.

Conforme mostrou a Folha, o governo Tarcísio pretende pagar aos policiais aposentados uma uma diária de R$ 301,70 –cerca de R$ 6.000 por mês caso cumpram a carga máxima de 40 horas semanais. Esse valor será somado ao que já recebem de aposentadoria.

A maioria dos selecionados pelo programa é de praças, ou seja, eram militares de menor patente para as quais não é exigido que tenham ensino superior.

Assim, o valor que esses policiais vão receber apenas de complemento é 8% maior do que os R$ 5.565 definidos como piso salarial dos professores da rede estadual que precisam ter formação de nível superior adequada para atuar em sala de aula.

A análise do TCE aponta ainda uma similaridade entre as funções que devem ser exercidas pelos policiais aposentados com a que já é feita pelos monitores das escolas, os chamados agentes de organização escolar.

Segundo o documento, a Secretaria Estadual de Educação explicou que os policiais aposentados exercerão atividades “estritamente não pedagógicas e acessórias” e que sua atuação se restringe ao “apoio disciplinar, organizacional e formativo não pedagógico, em momentos de interação social (intervalos, entrada e saída de alunos) e atividades extracurriculares”.

O documento aponta que isso indica uma “similaridade operacional significativa” às atribuições dos monitores, que são responsáveis por zelar pela disciplina, acompanhar rotina, organizar refeições e conferir presença.

Os técnicos, no entanto, apontam que apesar dos indícios de que eles teriam a mesma função, ainda é preciso um estudo mais aprofundado para concluir se há diferenças entre as funções.

Histórico de decisões

A decisão do conselheiro do TCE de suspender liminarmente o edital foi a quarta medida medida, incluindo judiciais, que interrompeu a implementação do programa do governo Tarcísio.

Em agosto do ano passado, menos de três meses ap ós a sanção da lei que criou as escolas cívico-militares, o programa foi suspenso por uma decisão liminar a pedido da Apeoesp (principal sindicato dos professores de São Paulo).

A decisão, no entanto, foi derrubada pelo ministro Gilmar Mendes em novembro. Ele entendeu que a Justiça paulista invadiu a competência do STF ao decidir sobre o assunto, também levado à corte. A lei que instituiu as escolas cívico-militares também é questionada no Supremo e segue sem ser julgada.

Em julho deste ano, outras duas decisões judiciais barraram o edital para a seleção dos agentes. A gestão Tarcísio conseguiu reverter uma delas em poucos dias, mas a outra só foi derrubada em 13 de agosto, mais de 15 dias após o início do semestre letivo, quando o programa estava planejado para começar nas escolas.

Apesar de ser uma aposta de Tarcísio para ganhar apoio da base bolsonarista, o programa de escolas cívico-militares não é visto como prioridade pela equipe de Educação do governo. Exemplo disso é que, em maio do ano passado, o governador fez um grande evento para sancionar o projeto com a presença de vários aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas sem a participação do secretário de Educação, Renato Feder.