SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um dia antes de um esperado encontro com Volodimir Zelenski na Casa Branca, o presidente Donald Trump recebeu um telefonema de Vladimir Putin que durou cerca de duas horas nesta quinta-feira (16). O resultado não poderia ser mais decepcionante para o ucraniano.

Trump anunciou que houve “progressos significativos” e uma “conversa produtiva” sobre um cessar-fogo na Guerra da Ucrânia e que irá encontrar-se em breve com Putin em uma nova cúpula —os líderes haviam se reunido há dois meses no Alasca.

O local do encontro também não poderia ser mais incômodo para Zelenski: Budapeste, a capital da Hungria governada pelo líder europeu que lhe é mais hostil e próximo de Putin e Trump, o premiê Viktor Orbán. Ao mesmo tempo, o país é membro da Otan, a aliança militar liderada pelos Estados Unidos.

Zelenski esperava receber boas notícias nesta sexta, como fruto de sua reaproximação com um Trump cada vez mais frustrado com a falta de avanço nas negociações —em especial após o sucesso momentâneo do cessar-fogo na Faixa de Gaza.

O principal prêmio que desejava era o anúncio do fornecimento do míssil de cruzeiro Tomahawk, que pode atingir quase 2.000 alvos militares, 76 bases e todas as cidades importantes na Rússia europeia, um armamento ao qual não tem acesso.

Ao chegar a Washington, o ucraniano preferiu não passar recibo. “Vemos que Moscou se apressará a retomar o diálogo assim que ouvir a palavra Tomahawk”, afirmou, dizendo acreditar numa boa conversa com Trump. Eles retomaram os contatos após o infame episódio em que o americano o humilhou na primeira reunião na Casa Branca, no fim de fevereiro.

Putin já havia dito que a aproximação proposta por Trump com a Rússia desde que voltou à Casa Branca, em janeiro, estaria rompida se o míssil fosse entregue. Segundo Iuri Uchakov, assessor internacional do russo, ele repetiu a afirmação nesta quinta ao republicano.

A Folha de S.Paulo ouviu de uma pessoa próxima do Kremlin que o objetivo principal de Putin era interromper esse processo envolvendo os Tomahawk, não tanto pelo efeito em si dos mísseis —que não podem mudar a guerra exceto se forem entregues às centenas, algo impossível tecnicamente—, mas por falta de lançadores terrestres de um modelo hoje 100% naval, e a Ucrânia não receberia navios de guerra.

Esse observador ressalva, contudo, que Trump não disse de forma peremptória que vetaria o míssil, como de resto já sugeriu por temer uma escalada no conflito. Então, sustenta, é melhor esperar a sexta para tirar conclusões.

Um sinal acerca das intenções dos EUA que preocupa o Kremlin é a crescente pressão de Washington sobre a Índia, segunda maior compradora de petróleo russo depois da China. Na quarta-feira (15), Trump chegou a dizer que o país asiático pararia de receber o produto, algo que não foi nem confirmado, nem desmentido.

Isso dito, o americano parece repetir seu padrão negocial às expensas de Kiev, mesmo já tendo admitido o risco de ser enrolado pelo russo. Antes da cúpula em agosto no Alasca, um telefonema de Putin o fez abandonar sem pestanejar um ultimato que havia dado ao Kremlin para aderir a um cessar-fogo. Depois, reuniu-se com Zelenski e anunciou que os rivais iriam se encontrar, o que nunca ocorreu.

Putin, por sua vez, elogiou o americano pela negociação entre Israel e o Hamas sobre Gaza, apesar da fragilidade do arranjo em vigor. “Acredito, de fato, que o sucesso no Oriente Médio ajudará em nossas negociações para alcançar o fim da guerra entre Rússia e Ucrânia”, escreveu o americano em um post na sua rede, a Truth Social.

A primeira reunião preparatória da cúpula deve ocorrer já na semana que vem, e deve envolver o secretário de Estado, Marco Rubio, e o chanceler Serguei Lavrov. O local ainda não está definido, mas poderá ser a Turquia do também ambíguo Recep Tayyip Erdogan.

Para a cúpula em si, será necessário um esquema especial para o encontro, já que a União Europeia, da qual os húngaros são membros, não permite sobrevoo de aviões russos devido a sanções decorrentes da guerra.

Já a questão do mandado de prisão contra Putin, emitido pelo Tribunal Penal Internacional por supostos crimes de guerra, deve ser menos contenciosa: Budapeste abandonou em abril o tratado que estabeleceu a corte e, ainda que a medida só seja efetiva em 2026, não parece haver risco para o russo.

Enquanto isso, a guerra segue com a forte troca de ataques contra a infraestrutura energética em ambos os lados, com a vantagem russa que caracteriza a assimetria do conflito.

Na Ucrânia, só na madrugada desta quinta, foram 320 drones, 283 deles interceptados, e 37 mísseis, dos quais só cinco foram abatidos segundo Kiev. Estações de energia e de distribuição de gás foram atingidas novamente, e o governo anunciou que terá de manter um esquema de rodízio no fornecimento de eletricidade nas principais cidades.

Os ucranianos, por sua vez, atingiram mais uma refinaria de petróleo, na região de Saratov, durante uma barragem em que a Rússia disse ter derrubado 51 drones.