SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A USP (Universidade de São Paulo) anulou um concurso para professor de literaturas africanas de língua portuguesa por suposta suspeição da banca, mesmo com o Ministério Público emitindo um parecer dizendo não ter encontrado indícios para a decisão.

O recurso contra o processo seletivo foi solicitado após Érica Cristina Bispo ter sido nomeada para a vaga, em novembro de 2024. Outros seis concorrentes questionaram conjuntamente o resultado.

Segundo eles, a mulher seria incapacitada para exercer a função pretendida e teria ganhado notas altas injustificadas por supostamente manter amizade com duas docentes participantes da banca.

Para tentar comprovar sua teoria, eles juntaram seis fotos de congressos sobre literatura africana nos quais a especialista aparecia em grupos com as professoras. Numa dessas imagens, Bispo escreveu “entre amigos é muito bom”. Para a Procuradoria da USP, isso foi o bastante para comprovar a relação íntima e anular o concurso.

Em seu parecer, o órgão rechaçou que o desempenho de Érica tenha sido superior por algum favorecimento e não comentou sobre sua capacidade para o cargo, mas disse ter constatado nas imagens analisadas “contexto suficiente para se reconhecer a afetuosidade entre a candidata indicada e as professoras”.

A versão foi acatada pelo Conselho Universitário, em 18 de março, com 59 votos a favor e um contrário, além de quatro abstenções, e o concurso anulado.

Ao analisar o caso, porém, o Ministério Público de São Paulo afirmou em parecer não ter sido “evidenciada a atuação dolosa de qualquer agente público”, citando as docentes. O documento foi entregue aos membros da banca, à direção da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) e à reitoria da universidade.

Procurada, FFLCH diz que chegou a homologar o resultado da seleção, mas foi contrariada pelo Conselho Universitário. “Esse órgão superior, que é o máximo da universidade, anulou o concurso porque considerou que havia indícios de relações de proximidade da candidata aprovada e indicada com pessoas integrantes da banca. Essa conclusão teve embasamento em postagens em redes sociais em que, além de fotos, havia expressões de amizade. O concurso será refeito”, diz a unidade.

A assessoria da USP informou que o Conselho Universitário não irá se manifestar.

Érica fez publicações sobre o caso em sua conta no Instagram no início desta semana. Ela relata ter sido instruída a fazer isso porque “muita gente viu muita coisa errada” na situação. “Desconsideraram totalmente que a banca é composta por cinco professores e que os cinco me deram notas superconsistentes e bastante altas o tempo inteiro.”

A professora também diz que sua área de estudo é pequena, justificando estar com as docentes nos eventos citados.

Para ela, a anulação também pode ter sido discriminatória. A especialista era a única pessoa preta concorrendo à vaga.

Érica Cristina Bispo é graduada em letras pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e doutora literaturas portuguesa e africanas, com pós-doutorado em literatura guineense. Ela é professora de literatura e língua portuguesa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro desde 2015.

Várias entidades, como a Associação de Escritores da Guiné-Bissau e o Congresso Internacional de Literaturas e Culturas Africanas, publicaram notas em seu apoio.

“Nem se precisa revisar de frente para trás o curriculum lattes de Érica Bispo para se confirmar a sabedoria majestosa em suas falas-conferências, palestras, comunicações orais, sempre pautada em uma seriedade exemplar diante de seu legado como profunda estudiosa das epistemologias africanas no Brasil”, afirma o Congresso.