SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A chef de cozinha Paloma Alves Moura, 46, morreu na quarta-feira (8) no Hospital e Maternidade Tricentenário, em Olinda (PE). Ativistas afirmam que a paciente passou cerca de dez horas sem atendimento adequado porque a equipe médica suspeitou que ela estivesse passando por um aborto induzido.
Thaís Leal, 40, amiga de Paloma que a acompanhou no hospital, relata que a chef passou o dia inteiro sangrando intensamente enquanto aguardava o resultado de um exame de gravidez. “Hoje faz exatamente uma semana que ela faleceu. Ela deu entrada no hospital entre 7h e 8h com muita dor e um sangramento intenso”, conta Thaís.
A chef chegou ao atendimento com sangramento por causa de miomas uterinos e, segundo o hospital, morreu de parada cardiorrespiratória.
Thais diz que chegou ao hospital por volta das 10h, para revezar com a filha de Paloma na função de acompanhante. “Assim que entrei, vi Paloma com um sangramento intenso. Ao longo do dia, foram usados mais de três lençóis, todos completamente encharcados de sangue”, relatou
O Hospital e Maternidade Tricentenário afirmou que uma paciente “deu entrada na quarta-feira (8), na Emergência Obstétrica, informando na admissão que tinha histórico de sangramento há cerca de 15 dias e miomatose uterina. Após avaliação médica com especialista, foi internada, medicada e, com a realização de exames, foi constatada queda acentuada da hemoglobina”.
Segundo a instituição, foi solicitada a transferência da paciente para uma unidade de maior complexidade, mas ela apresentou piora clínica e instabilidade, evoluindo para uma parada cardiorrespiratória. A paciente foi então transferida para a UTI do próprio hospital, onde a equipe médica realizou manobras de reanimação. A morte foi confirmada por volta das 19h.
“O corpo foi encaminhado ao Serviço de Verificação de Óbitos, cujo laudo, recebido na sexta-feira (10), não apresentou conclusões definitivas quanto à causa da morte”, afirmou o hospital.
Familiares e amigos de Paloma, porém, dizem que a chef não recebeu medicação, que não houve pedido de transferência durante as horas críticas de sangramento e atribuem a inação à suspeita de aborto induzido.
Thaís relata que, por volta das 14h, pediu pela transferência da amiga. “Ela estava ficando roxa, a boca pálida, já estava perdendo muito sangue. Eu pedi: por favor, transfere minha amiga, ela vai morrer”, conta. A resposta que recebeu foi que só poderiam transferi-la após sair o resultado do exame beta HCG. “Eu disse: mas ela não está grávida.”
Segundo Thaís, quando questionou sobre o tempo de espera pelo exame, disseram que levaria de três a quatro horas. Um beta HCG qualitativo, a modalidade mais rápida, geralmente tem o resultado disponível em cerca de 1 hora ou até menos.
Segundo a pesquisadora e ativista Mayza Toledo, integrante do Fórum de Mulheres de Pernambuco, próxima da família de Paloma. “Foram quase dez horas de hemorragia sem ninguém dar sequer um transamin [tranexâmico, medicamento coagulante]”, diz. “Trata-se de uma incompetência do Estado e da gestão do hospital. O médico faz um juramento para salvar vidas, não para tirá-las.”
Diante da repercussão do caso, a vereadora de Olinda Eugênia Lima (PT) protocolou uma solicitação formal de esclarecimentos ao hospital, com apoio do Fórum de Mulheres de Pernambuco.
“No exercício da função fiscalizadora que a Constituição e a Lei Orgânica do Município conferem aos vereadores, e diante das informações amplamente divulgadas por coletivos e pela mídia sobre o falecimento de Paloma Alves Moura, ocorrido em 8 de outubro de 2025, nas dependências deste hospital, em circunstâncias que indicam possível negligência médica e demora no atendimento, solicito esclarecimentos detalhados acerca do ocorrido”, diz o documento.
Nesta terça-feira (14), mulheres, familiares e amigos de Paloma realizaram uma manifestação em frente ao Hospital e Maternidade Tricentenário.
Segundo um médico consultado pela Folha de S.Paulo, é possível que o coração tenha parado por falta de sangue, muito provavelmente devido à hemorragia.
Em casos como esse, são necessárias medidas imediatas, como hidratação venosa, transfusão de sangue e medicamentos que auxiliam na coagulação e reduzem o sangramento, como o ácido tranexâmico. Se essas medidas não controlarem o sangramento, a cirurgia se torna o tratamento definitivo para retirada do mioma citado pelo hospital.
A velocidade da intervenção depende da gravidade. Em uma situação de emergência hemorrágica caracterizada por sinais de choque hipovolêmico, como pressão baixa, taquicardia e anemia aguda, não há tempo a esperar: a descompensação hemodinâmica exige ação imediata para salvar a vida da paciente.
O Ministério Público de Pernambuco abriu uma oitiva para escutar a família e pessoas próximas à vítima.
“Escrevemos uma carta de denúncia e pedido de esclarecimentos, que foi a base da nota pública da vereadora. Os próximos passos envolvem uma ação criminal, pedindo a relação de todos os profissionais que estavam de plantão para que respondam pelo ocorrido”, explica Toledo.
A carta, assinada por mais de 50 organizações, coletivos feministas e movimentos sociais de Pernambuco, questiona diversos aspectos do atendimento e afirma que “mulheres com suspeita ou diagnóstico de abortamento são preteridas em relação às mulheres com gravidez em curso”.
Daniele Braz, da coordenação da AMB (Articulação de Mulheres Brasileiras) e integrante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, afirma que o protocolo será acompanhado também pela Comissão de Direitos Humanos da Alepe (Assembleia Legislativa de Pernambuco), que pretende denunciar e responsabilizar os culpados “tanto pela morte quanto pela negligência que refletiu o racismo estrutural e o fundamentalismo religioso”.
“Paloma é mais uma vítima do descaso e do abandono do sistema de saúde em relação aos direitos reprodutivos das mulheres negras. É por isso que a mortalidade materna é alta, que a violência obstétrica é frequente e que tantas mulheres negras morrem ao parir”, completa Daniele.
Thaís Leal pede justiça: “O que eu peço é justiça e que isso não fique assim. A gente não pode calar a voz das mulheres. Nós somos muito jogadas de lado hoje.”