SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) decidiu analisar as alegações da Abrafarma (Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias) contra a compra da farmácia Cuidamos Farma pelo Mercado Livre, anunciada no início de setembro.
Em despacho assinado na quarta-feira (15) pela coordenadora-geral substituta do Cade, Amanda Bispo Menezes, o órgão regulador determina a abertura de um novo processo no SEI (Serviço Eletrônico de Informações) para investigar as alegações da Abrafarma. “Solicita-se os préstimos deste protocolo para criar processo do tipo ‘Finalístico: Solicitação de Análise de Informações’ para que esta Unidade de Triagem de Atos de Concentração possa apurar as alegações apresentadas por meio de email pela Abrafarma”, diz o texto.
De acordo com o advogado Filipe Denki, sócio da Veritas Administração Judicial, “no âmbito do SEI/Cade, um processo do tipo ‘finalístico’ é uma categoria administrativa de processo criada para permitir que a unidade técnica competente possa analisar ou apurar fatos, dados ou manifestações recebidas, geralmente relacionados a atos de concentração ou condutas concorrenciais.”
A compra da Cuidados Farma precisou ser submetida ao Cade para atender um requisito legal, quando a transação envolve comprador com faturamento acima de R$ 750 milhões e vendedor que fatura mais de R$ 150 milhões.
A abertura do processo não invalida a aquisição da Cuidamos Farma, que já foi transitada em julgado.
A Abrafarma, que reúne as 29 maiores redes do setor no Brasil, entre elas Drogasil, Raia, Drogaria São Paulo e Pague Menos, defende que a compra da Cuidamos Farma uma farmácia de 450 m² no bairro do Jabaquara, zona sul da capital paulista sinaliza o interesse do marketplace em viabilizar, em sua plataforma, a venda reiterada de medicamentos, o que é vetado pela regulação RDC 44/2009 da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que trata da comercialização de produtos e serviços farmacêuticos.
Em nota, o presidente da Abrafarma, Sergio Mena Barreto, afirma que a associação quer esclarecer ao Cade “exatamente qual o escopo da atuação do Mercado Livre ao comprar a farmácia, que pertencia à empresa Memed, que fornece serviços de digitalização de receitas médicas e exames”.
A associação sustenta que o marketplace “não forneceu todas as informações relacionadas à transação e parcerias futuras, o que poderia gerar um incidente de enganosidade ou seja, a apresentação de dados falsos e incompletos para que o Cade aprovasse a venda sem avaliar o risco real de condutas com potencial de prejudicar a concorrência.”
Já o Mercado Livre afirma que as alegações da Abrafarma são infundadas e que atua em conformidade com a legislação. O Mercado Livre ressalta que: “ainda não atua na venda de medicamentos em seu marketplace, sendo a comercialização desses produtos proibida em nossos termos e condições; que não tem planos de criar uma rede própria de farmácias e de telemedicina, e sim trabalhar com parceiros; não existe a alegada integração vertical; e que a aquisição é restrita à Cuidamos Farma; não há nenhum contrato ou parceria adicional sendo negociada entre o Grupo Mercado Livre e a Memed S.A”.
Em entrevista coletiva concedida no último dia 9, Fernando Yunes, vice-presidente sênior do Mercado Livre e principal executivo da operação brasileira, afirmou que o Mercado Livre quer atuar no setor apenas como um marketplace, intermediando a venda de produtos farmacêuticos, como parceiro tanto das grandes redes nacionais, quanto das médias e pequenas drogarias.
“No Brasil, o setor farmacêutico é o único onde a gente ainda não atua”, afirmou Yunes na ocasião, lembrando que o marketplace já vende medicamentos com e sem prescrição no México, Argentina, Chile e Colômbia.
O Mercado Livre sustenta que o mercado e a tecnologia evoluíram muito desde a publicação da RDC 44/200 e é natural que o marco regulatório precisa ser atualizado.
Com a Cuidamos Farma, o Mercado Livre poderá despachar pedidos a partir de uma farmácia licenciada e não de um centro de distribuição. Por ter um ponto físico, pode inclusive vender medicamentos online com prescrição, como já fazem as grandes redes do setor.
“Compramos [a Cuidamos Farma] para testar. Essa farmácia vai atender aquela região. Em paralelo, estamos conversando com formadores de política pública para atualizar a regulamentação e permitir que a gente possa operar no modelo marketplace”, afirmou Yunes, no último dia 9.
Para a Abrafarma, porém, “a falta de controle que hoje existe do que é vendido nessas plataformas já significa enorme risco para a saúde da população (com a presença de produtos falsificados, contrabandeados etc.), como frequentemente é noticiado. O próprio Mercado Livre reconheceu, em manifestação no processo, haver venda irregular de medicamentos por terceiros em sua plataforma.”
O varejo alimentar também está interessado na venda de medicamentos nas suas lojas, algo previsto no projeto de lei 2.158/2023. Segundo a Abras (Associação Brasileira de Supermercados), o projeto foi aprovado na CAS (Comissão de Assuntos Sociais) do Senado em setembro e retornou para a Câmara dos Deputados. A proposta prevê farmácias completas dentro dos supermercados, que só poderão funcionar se houver um farmacêutico responsável durante todo o horário de atendimento.