MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – O governo da Itália pretende retirar dos consulados que representam o país no exterior a função de receber e analisar pedidos de reconhecimento da cidadania por direito de sangue. Um projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados prevê que, a partir de 2028, as solicitações serão concentradas em Roma, no Ministério das Relações Exteriores.

Apresentado pelo governo, com os nomes da primeira-ministra Giorgia Meloni e do vice-premiê Antonio Tajani, o texto foi aprovado na última terça (14) por ampla maioria, com 144 votos a favor e 87 contrários. Para entrar em vigor, precisa ainda passar pelo Senado, onde o governo também tem maioria confortável.

“Os pedidos de reconhecimento da cidadania italiana da parte de pessoas maiores de idade residentes no exterior são apresentados a um escritório de direção geral no âmbito da administração central do Ministério das Relações Exteriores”, diz o primeiro artigo do projeto.

A documentação exigida para comprovar o direito à cidadania deverá ser enviada à Itália em papel, pelo correio. Os custos serão pagos pelo autor do pedido. Caso seja aprovado o projeto, as regras entram em vigor em janeiro de 2028.

Atualmente, quem mora no exterior pode apresentar o pedido e entregar a documentação nos consulados, que realiza a análise. A Itália possui 83 escritórios consulares pelo mundo, dos quais 7 no Brasil –Brasília, São Paulo, Rio, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte e Recife. Todos os pedidos que hoje são gerenciados por essas repartições passariam a ser concentrados em um único escritório, em Roma.

Outra mudança é a ampliação do prazo para a conclusão do procedimento, que sobe oficialmente de dois para três anos. Na prática, porém, alguns consulados, como o de São Paulo, chegam a ter pedidos que ficam na fila de espera por mais de dez anos.

A justificativa do governo para a nova lei é a necessidade de diminuir o volume de procedimentos que tramitam nos consulados, que nos últimos anos viram aumentar o interesse de descendentes pela cidadania, especialmente no Brasil e na Argentina.

No Brasil, existem mais de 870 mil cidadãos italianos residentes, como expatriados ou com dupla cidadania, sendo que 96% nasceram fora da Itália. Estima-se que os descendentes sejam mais de 30 milhões, resultado da onda de emigração da Itália a partir do fim do século 19.

O relatório técnico que embasa o projeto de lei diz que, em 2022 e 2023, houve crescimento de 27% de pedidos de cidadania por direito de sangue concluídos em todos os consulados do mundo. No mesmo período, houve alta de 112% nos pedidos que ficaram pendentes.

“A consequência é que um grande número de sedes diplomático-consulares empregam boa parte dos seus limitados recursos humanos e instrumentais nos procedimentos de reconhecimento da cidadania, com consequências negativas para a execução de outros serviços aos cidadãos italianos e às empresas no exterior”, diz o relatório.

O documento também argumenta que a nova lei é necessária para combater “pressões indevidas e organizações criminosas” que ameaçam o trabalho dos consulados, “nas áreas do mundo onde o interesse em obter a dupla cidadania é maior”.

“A gestão do reconhecimento de cidadania é uma tarefa tipicamente administrativa que não tem nada a ver com a formação diplomática”, disse, antes da votação no plenário, o relator do projeto, deputado Andrea Orsini, do Força Itália, mesmo partido de Tajani.

O projeto de lei não altera outros tipos de pedidos de cidadania, como por casamento, que continuarão a ser recebidos pelos consulados, assim como solicitações referentes a filhos menores de idade de quem já tem a cidadania reconhecida.

A nova regra faz parte de uma ampla reforma anunciada em março por Tajani. A primeira e mais importante mudança foi a limitação da transmissão e do reconhecimento da cidadania a duas gerações nascidas fora da Itália, modificando legislação dos anos 1990. Já em vigor, a regra estabelece que uma pessoa nascida fora do país europeu só será considerada italiana se ao menos um genitor ou um avô/avó possuir somente a cidadania italiana.

A medida aprovada nesta semana foi criticada por parlamentares de oposição e por representantes dos italianos que vivem no exterior. “A centralização em Roma representa um risco concreto de lentidão dos procedimentos e de perda de competência amadurecida dos consulados”, diz o Conselho Geral dos Italianos no Exterior, que tem a função de propor e aconselhar o governo e o Parlamento em temas que afetam os italianos que vivem em outros países.

A entidade também critica o fato de a documentação precisar ser impressa e enviada pelo serviço postal, pelo risco de “comprometer a eficiência e a confiabilidade de todo o sistema”. Segundo o relator Orsini, o formato impresso tornaria mais fácil o controle de autenticidade. “Especialistas concordam que a verificação de congruência e falsificações é muito mais eficaz se realizada em documentos originais em papel, em vez de material transmitido eletronicamente”, disse.