SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma imagem de antes e depois de uma rua de Diadema, na Grande São Paulo, virou motivo para discussões sobre urbanismo nas redes sociais, especialmente depois que o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) publicou a imagem acompanhada de um texto com fortes críticas aos moradores.

As fotos são reproduções do Google Maps de 2019 e 2025 e mostram como um conjunto habitacional com traços modernos tomou feições de favela, com puxadinhos para atender a novas demandas dos moradores.

Com a passagem do tempo, as 11 casinhas do projeto original ganharam novos andares e avançaram para a frente, tomando espaço da calçada. Hoje, os imóveis dão a impressão de estarem inacabados, com tijolo aparente e alvenaria exposta.

Em seu comentário, o deputado escreveu que a “decadência começa dentro do homem: espírito adoecido que repele ordem e beleza”.

As construções do projeto arquitetônico tinham uma fachada reta, havia simetria entre as casas e um toque moderno no design —o projeto chamava Casas Cubos. Todas tinham acabamento e cor.

A iniciativa foi bancada pela Prefeitura de Diadema e inaugurada em janeiro de 2018. De acordo com uma reportagem da época no site ABC do ABC, o custo total para a construção dessas 11 unidades e mais 13 de um loteamento próximo foi de R$ 2,14 milhões (o equivalente a cerca de R$ 3,2 milhões hoje).

O dinheiro veio do Fumapis (Fundo Municipal de Apoio à Habitação de Interesse Popular), da prefeitura local, voltado para moradia de famílias que ganham até três salários mínimos.

Antes da construção, as 11 famílias moravam em barracos muito precários, conta a arquiteta Fabricia Zulim, responsável pelo projeto. “Era um pedacinho de terra muito estreito”, diz. Pelas imagens de 2010, vê-se que, na prática, era uma pequena favela.

A arquiteta afirma que a prefeitura considerava que o local não era ideal para um conjunto habitacional. O plano original era levar os moradores para outra área, onde teriam outras casas. Segundo Zulim, os moradores não quiseram porque a região atual é “bem localizada, está próxima da linha de transporte público e onde eles já tinham suas redes de convívio, com escolas e amigos”.

A proposta então foi fazer os 11 sobrados geminados em lotes de mesmo tamanho, de 5,5 metros por 5 metros.

Os barracos que existiam antes do projeto eram de tamanhos diferentes. “A pessoa que estava no primeiro lote tinha quase o dobro da área das outras, mas em um projeto de urbanização é preciso entrar em alguns consensos.”

Nas discussões com os moradores sobre o projeto, diz Zulim, alguns deles apresentaram demandas, como a de ocupar trechos do lote que serviam como calçada e construir na cobertura.

“O lote não comportava o que eles queriam, até por uma questão de legislação. Não dava para usar a cobertura por causa da proximidade com o muro do vizinho, e todas as aberturas seriam para a frente. No final, fizemos o que era possível.”

O resultado possível foram casas de dois andares, cada uma com uma cozinha e lavanderia no térreo e dois dormitórios e um banheiro no andar de cima, além de uma pequena sacada voltada para a rua.

Imagens da inauguração que constam em uma apresentação do projeto mostram ainda que a calçada tinha um pequeno jardim.

As 11 casas foram pintadas com cinco cores diferentes e grafiteiros locais fizeram painéis no bloco. O projeto foi capa de uma revista do CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo).

A arquiteta afirma que, já na época da inauguração, os moradores afirmaram que queriam algo “como o que se vê hoje, com muito mais área” e que, de uma forma, atende algumas das necessidades deles. Ela lembra que uma das beneficiadas tinha uma vendinha, por exemplo.

Zulim diz que o desenlace da história não é inesperado e que há experiências históricas em que projetos habitacionais foram modificados ao longo dos anos.

Ela cita um caso conhecido entre os urbanistas: no fim da década de 1960, o governo do Peru fez um concurso para projetos de habitação popular. Arquitetos importantes participaram –inclusive Fumihiko Maki, que décadas mais tarde venceu o Pritzker–, e, assim como em Diadema, os projetos foram descaracterizados ao longo dos anos.

Em nota, a Prefeitura de Diadema afirma que a atual gestão “recebeu a administração com o processo de descaracterização do Conjunto Habitacional Nova Habitat já em andamento”.

O texto diz que a administração “lamenta que um tema de tamanha relevância e complexidade, como as políticas públicas de habitação, esteja sendo tratado de forma superficial nas redes sociais, o que pode gerar desinformação e exposição indevida de moradores da região”.