SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dos 10 produtos mais exportados para os Estados Unidos em setembro e que ficaram de fora da lista de isentos do tarifaço, seis tiveram queda nas vendas e cinco conseguiram compensar, total ou parcialmente, o impacto da taxação através de vendas a outros países.
É o que mostra levantamento feito pela economista Lia Valls, pesquisadora associada do FGV/Ibre responsável pelo Icomex (Indicador de Comércio Exterior) e professora da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
“O desastre para as exportações brasileiras não está acontecendo em um primeiro momento”, diz Valls. “Para a gente afirmar que isso vai se manter, teremos que esperar mais informações. Mas o ponto principal hoje é que as exportações brasileiras mostram um certo grau de resiliência.”
Os dados da Secex (Secretaria de Comércio Exterior) revelam que essa compensação aconteceu de duas formas: ou pelo aumento das exportações para o resto do mundo ou através de uma queda menor em relação à redução de vendas para o mercado americano.
As vendas de produtos semimanufaturados de ferro ou aços, por exemplo, se reduziram 7,7% para os EUA mas caíram menos, 5,2%, para o resto do mundo em setembro.
Isso aconteceu porque o México e a Polônia, que não importaram nada desses produtos no mesmo mês do ano passado, receberam respectivamente US$ 24,1 milhões e US$ 19,1 milhões dos itens em setembro, ajudando a amortecer a queda.
Nos outros quatro casos, o redirecionamento de produtos para outros mercados fica ainda mais evidente.
As exportações de carnes bovinas desossadas e preparações alimentícias de bovinos para os americanos tiveram queda anual de 66% e 20,5% em setembro, nessa ordem, mas subiram 71,9% e 39,3% para o resto do mundo, mais do que compensando o tombo.
Para a China, principal destino, a alta nas exportações de carnes bovinas desossadas foi de 75,4%, e alcançou impressionantes 354,8% para o México.
“Além da China, as exportações cresceram também para outros países da América Latina, como o México, e para outros países da Ásia. Estamos conseguindo, no agregado, compensar as tarifas dos EUA com alta nas exportações”, diz Valls.
No caso do café não torrado, os embarques para os EUA recuaram 29% em setembro em relação ao mesmo período do ano passado, mas as exportações para todos os outros países avançaram 17,5%, ajudando a amenizar o baque.
Alguns dos principais destinos alternativos do café brasileiro foram a Alemanha, com alta de 48,9%, e Turquia, com crescimento de 59,3%.
Os dados do Icomex mostram ainda que as vendas de sebo bovino se reduziram em 7,1% para os Estados Unidos em setembro em relação ao mesmo mês do ano passado, enquanto cresceram 70,2% para outros países que não os EUA na mesma comparação.
O destaque no redirecionamento de sebo foi a África do Sul, para onde as exportações subiram 231,2%.
Somados esses cinco produtos, os embarques para compradores americanos tiveram uma queda de US$ 127,9 milhões em setembro ante o mesmo período de 2024, mais do que compensadas pela alta nas vendas de US$ 808,4 milhões para o resto do mundo na mesma comparação.
De acordo com Valls, os exportadores mais blindados dos efeitos do tarifaço são aqueles que vendem produtos para muitos destinos diferentes.
“Principalmente quem exporta para vários mercados conseguiu reagir bem, com destaque para empresas multinacionais, que conseguem desviar suas exportações para outros mercados.”
A economista aponta que em alguns casos provavelmente houve acordos entre exportadores e importadores para dividirem o prejuízo do tarifaço. Ela vê dificuldades, entretanto, para setores altamente dependentes do mercado americano, assim como os manufaturados.
“Há produtos muito customizados, que são exportados para mercados específicos, atendendo regulações fitossanitárias ou técnicas. Nesse caso, para continuar exportando, o exportador tem praticamente que refazer o produto”, lembra.
O crescimento da economia mundial, que vem surpreendendo para cima, pode ter ajudado os exportadores brasileiros.
No primeiro semestre de 2025, segundo dados da OMC (Organização Mundial do Comércio), o volume de comércio aumentou 4,9%, resultado estimulado pela antecipação de exportações para os EUA às vésperas do tarifaço e boas condições macroeconômicas.
Por isso, houve uma revisão para cima do crescimento do comércio mundial para este ano, de 0,9% para 2,4%.
De acordo com a especialista, apesar do redirecionamento dos produtos dar um fôlego aos exportadores, é importante lembrar que o mercado americano é muito importante para o brasileiro.
“Os EUA são o segundo maior mercado do Brasil e o maior importador mundial”, afirma. “Uma parte você consegue desviar, mas pode ser um primeiro impulso. Precisaremos esperar os próximos dados para saber o que vai acontecer.”
A especialista lembra que tudo pode mudar com as tratativas entre Brasil e EUA sobre as tarifas. Na tarde desta quinta (16) deve ocorrer a primeira reunião presencial entre o ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores), o secretário de Estado americano, Marco Rubio, e o representante comercial dos EUA, Jamieson Greer, para negociar o tema.