CUIABÁ, MT (FOLHAPRESS) – Alunos da rede pública afirmam chegar ao Enem com lacunas em matérias obrigatórias do currículo, resultado de mudanças no novo ensino médio que reduziram a carga horária e ainda não foram corrigidas pela reforma anunciada no ano passado.

Criado em 2017, o formato do ensino médio dividiu o currículo entre uma base comum e itinerários formativos, nos quais o jovem escolhe áreas de aprofundamento. Implementada em 2022, a grade foi criticada pela redução de disciplinas obrigatórias e acabou parcialmente reformulada em 2024.

Muitos relatam viver em um “limbo” até que essas aulas sejam totalmente reformuladas. Alunos da rede pública das cinco regiões do Brasil reclamam da falta de conteúdos e das desproporções no ensino médio, e dizem chegar ao vestibular e ao Enem despreparados.

Para compensar, recorrem a videoaulas no YouTube, apostilas digitais e ajuda de familiares.

A Folha de S.Paulo ouviu jovens de São Paulo, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Amazonas. A perda de conteúdos essenciais e o improviso de itinerários formativos sem relevância para o vestibular são queixas recorrentes.

“Praticamente não estava aprendendo no colégio. Tive que estudar todas as matérias por conta própria, mesmo trabalhando”, diz Maria Eduarda Gutens Escobar, 18, de Porto Alegre.

Em São Paulo, Alanna Rodrigues, 17, moradora da zona leste, diz que passou a estudar sozinha e seguir canais de professores nas redes sociais. “Faço aulas pelo YouTube para completar o que falta na escola. Quando chego das aulas de balé, continuo estudando até tarde”, diz.

No Recife, Daniel de Lima, 18, reconhece que tem uma vantagem: dois irmãos, ambos professores, o ajudam diariamente. “Sou privilegiado porque eles me ensinam em casa. Na escola faltam tempo e recurso”, afirma. Mesmo assim, diz não se sentir preparado. “Se o professor tenta ensinar algo do Enem que não está na grade, a direção chama a atenção dele.”

A Secretaria da Educação de São Paulo que sua grade está integralmente alinhada à BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e nega que tenha havido redução da importância de disciplinas. Segundo a pasta, na formação geral básica o grupo de ciências humanas soma 466,7 horas, a mesma carga dedicada a ciências da natureza.

Em Mato Grosso, a secretaria informa que o currículo da rede estadual também está em total conformidade com a BNCC. Filosofia e sociologia, como componentes curriculares da área de ciências humanas e sociais aplicadas, são de oferta obrigatória e têm carga horária garantida em todas as escolas.

A Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul afirma que a matriz curricular do ensino médio gaúcho, vigente desde 2025, mantém todos os componentes da Formação Geral Básica.

A Seduc de Pernambuco diz ter recuperado a carga horária de disciplinas como filosofia, sociologia, arte e educação física ao longo dos três anos do ensino médio, além de reforçar as áreas de linguagens, ciências da natureza e matemática.

Já a pasta da Bahia diz que cumpre integralmente a carga horária básica ao longo dos três anos do ensino médio e “avança de forma consistente na ampliação da jornada escolar, com a expansão das escolas de tempo integral, que, em 2025, alcançarão mais de 50% das unidades da rede estadual, reforçando o compromisso do estado com a melhoria da qualidade educacional e com uma formação integral dos estudantes”.

As secretaria do Amazonas foi procurada, mas não respondeu.

Maria Eduarda, que estudou toda a vida em escolas públicas gaúchas, conta que em 2023 tinha cinco aulas de português e matemática por semana, mas que a carga caiu para três no ano passado. “Ao invés de ter matemática ou português, eu tinha expressão corporal —chegamos a brincar de pega-pega em aula”, relata.

Maria Eduarda, que estudou toda a vida em escolas públicas gaúchas, conta que em 2023 tinha cinco aulas de português e matemática por semana, mas que a carga caiu para três no ano passado. “Ao invés de ter matemática ou português, eu tinha expressão corporal —chegamos a brincar de pega-pega em aula”, relata.

Ela conta que a rotina era exaustiva: estudava pela manhã, trabalhava à tarde e, quando chegava em casa, assistia a aulas online e usava apostilas até por volta das 23h, só então conseguindo dormir. “Assisti aulas no YouTube para não chegar totalmente perdida nas provas”, relata.

A estudante fez o Enem no ano passado e afirma que havia muitas questões de filosofia, que ela diz não ter tido no ensino médio. “Fiquei nervosa no vestibular porque vi um monte de gente de cursinho particular, uniformizada, e pensei: ‘Meu Deus, eu não vou conseguir passar’.” Hoje, ela cursa direito na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Hellen Santiago, 17, está concluindo os estudos como bolsista em uma escola particular, mas até o início do 2º ano era aluno da rede pública estadual em Cuiabá.

Ele afirma ter percebido o impacto da desigualdade no peso dado às disciplinas. “Na escola pública reduziram muito a carga horária de matérias importantes, como filosofia e geografia. Na particular, a diferença é gritante.”

Maria Nicole Ribeiro, 18, também sentiu diferenças entre escolas públicas. No início do ensino médio, na Escola Estadual Nossa Senhora Aparecida, em Manaus, relata que “português e matemática às vezes tinham só uma ou duas aulas por semana”. Para conseguir manter a preparação para o Enem estuda por videoaulas.

Maurim Rodrigues, que leciona em cursos pré-vestibular em Cuiabá, afirma que há reforço, atendimento fora de aula e encontros interdisciplinares para alunos de escolas públicas.

“Mesmo assim, alunos da rede pública chegam ao cursinho com diferenças enormes de preparação em relação a colegas de escolas privadas”, comenta.