Da Redação
Em Araras, pequeno distrito rural de Faina (GO), o nascer do sol marca o início de um desafio diário. Ali, onde o calor do Cerrado é intenso, sair de casa durante o dia pode ser uma sentença de dor. Grande parte dos moradores vive à sombra — literalmente — por causa do xeroderma pigmentoso, uma rara condição genética que multiplica em até 10 mil vezes o risco de desenvolver câncer de pele.
A enfermidade, causada por uma falha no mecanismo de reparo do DNA frente à radiação ultravioleta, transforma cada raio solar em uma ameaça. No mundo, a doença atinge uma em cada um milhão de pessoas. Em Araras, a proporção é assustadora: um caso para cada 40 moradores — a maior concentração registrada no planeta. O fenômeno é atribuído à herança genética e ao histórico de casamentos entre familiares na região.
Sem cura, o xeroderma pigmentoso provoca lesões precoces, tumores e reduz a expectativa de vida. “Aqui, o sol é nosso inimigo”, dizem os moradores, que dependem de roupas de proteção, chapéus de aba larga e protetor solar para conseguir sair às ruas.
Há dez anos, a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) tenta amenizar a dura realidade da comunidade por meio da Expedição Recanto das Araras — uma ação que oferece consultas, cirurgias e orientações médicas, além de distribuir protetores solares e roupas especiais. Desde o início do projeto, centenas de pacientes foram atendidos.
Entre eles está Julimar Flôres, de 30 anos, que convive com a doença desde a infância. “Já fiz mais de 300 cirurgias. O preconceito ainda dói mais que as cicatrizes. Muita gente tem medo de chegar perto, achando que é contagioso”, relata.
A história de Araras ganhou destaque em 2008, quando Gleice Machado, mãe de um menino diagnosticado com a síndrome, percebeu que outros moradores apresentavam sintomas semelhantes. Sua iniciativa de buscar ajuda médica atraiu pesquisadores da USP, que identificaram mutações genéticas de origem europeia e trouxeram visibilidade científica à vila.
Apesar dos avanços e do apoio pontual de entidades médicas, o isolamento e a falta de políticas públicas continuam marcando o cotidiano dos moradores. “Vivemos uma rotina de cuidados extremos e poucos recursos. Falta apoio para garantir dignidade a essas pessoas”, lamenta Gleice.
Em Araras, cada sombra é abrigo. E cada dia nublado, um alívio raro.