SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A volta do sistema de contagem da produção de bebidas desativado em 2016 pela Receita Federal custaria o triplo do valor sonegado. O dado faz parte de um trabalho da LCA Consultores encomendado pelo Sindicerv (sindicato das cervejarias).

A LCA calcula que o valor necessário para reinstalação do Sicobe (Sistema de Controle de Produção de Bebidas) seria de R$ 1,2 bilhão apenas para selagem de cervejas, praticamente o triplo do potencial de recuperação de tributos federais sonegados neste segmento (R$ 453 milhões).

A possibilidade de religar o Sicobe é também tema de uma ação que será analisada pela Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) a partir da próxima sexta-feira (17). A questão ganhou destaque recentemente por conta da crise envolvendo a contaminação de bebidas destiladas com metanol.

O Sicobe era uma espécie de selo usado para identificar a quantidade de cervejas, refrigerantes e águas produzidas, com objetivo de garantir o recolhimento de tributos —o controle sobre o conteúdo não é atribuição da Receita. Seu uso era obrigatório para esses três tipos de bebida e opcional para fabricantes de destilados.

Ele funcionou de 2008 a 2016, quando foi desativado, após um caso de corrupção envolvendo a Casa da Moeda, uma empresa suíça e um servidor da Receita. No ano passado, o TCU (Tribunal de Contas da União) determinou que o fisco deveria religar o sistema. O governo então recorreu ao STF.

Em abril deste ano, o ministro Cristiano Zanin suspendeu temporariamente os efeitos das decisões do TCU. Agora, o caso será submetido aos outros quatro ministros da turma. Ele entendeu que a Receita tem o poder de regular as obrigações relativas a impostos e contribuições, o que inclui a possibilidade de dispensar a obrigatoriedade de contadores de produção.

A Receita diz que o Sicobe é “extremamente oneroso e tecnicamente inviável”, que seu desligamento não trouxe prejuízo para a arrecadação, e que se trata de uma tecnologia superada por outros sistemas capazes de monitorar a produção.

Seu custo de funcionamento corresponde a 15% da arrecadação do setor de bebidas, o que a Receita classifica como “desproporcional e abusivo”. Com menos de 10% desse gasto seria possível colocar um auditor fiscal em cada empresa que era fiscalizada em 2016.

Atualmente, o mesmo controle de produção é feito por meio de sistemas também usados para empresas de outros setores (nota fiscal eletrônica, escrituração digital e o chamado Bloco K).

Outro problema apontado pelo fisco, de ordem jurídica, é a terceirização completa do Sicobe para uma empresa privada.

Um dos argumentos utilizados pelo TCU para determinar o religamento é que houve perda de arrecadação, informação que teve como base dados que o Fisco afirma serem equivocados.

Na mesma linha, o estudo da LCA Consultores aponta que houve queda na arrecadação do setor de bebidas por causa de alterações tributárias que também impactaram outros setores da indústria.

Entre elas, estão a redução de 35% nas alíquotas de IPI (imposto sobre industrializados) de bebidas em 2022 e o aumento dos créditos tributários de PIS/Cofins sobre insumos em 2018.

Houve também efeito da exclusão do ICMS estadual da base de cálculo do PIS/Cofins federal, decisão tomada pelo STF em 2017. Nesse caso, as empresas passaram a pagar um valor menor dessas contribuições e ainda fizeram compensações do que foi pago a mais no passado.

Segundo a consultoria, a sonegação corresponde a 3,9% da arrecadação no mercado de cervejas. O número é bem inferior aos quase 50% na venda de cigarros, que contam com um sistema próprio de controle de produção por meio de selo (Scorpios) que não resolveu esse problema.

Márcio Maciel, presidente do Sindicerv, afirma que o custo de instalação do Sicobe inviabiliza a produção de cervejas por pequenas empresas, e um sistema restrito às maiores companhias deixaria justamente a parte informal do mercado fora da fiscalização. Ele reforça que esse sistema não controlava a qualidade da bebida e que o valor de instalação e operação do equipamento supera o potencial ganho de arrecadação.

“Essa história de aumento na sonegação depois do desligamento do Sicobe não é real e, em termos de custo, não faz o menor sentido discutir o religamento desse sistema.”

Afirmações de que haveria relação entre a contaminação com metanol e o desligamento do Sicobe levaram a Receita Federal a divulgar nota em que afirma que é falsa a correlação entre as duas questões. Segundo o órgão, o controle de destilados é usualmente feito pela utilização de selos da Casa da Moeda.

Já o Sicobe era um sistema de contagem feita por máquinas instaladas nas fábricas, que não avaliava a qualidade das bebidas. O órgão tem citado também uma mudança na tributação em 2015 que fez com que o Sicobe deixasse de ser relevante para o controle de produção.