BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O STF (Supremo Tribunal Federal) declarou inconstitucionais leis municipais que impediam menções a gênero e orientação sexual no currículo escolar.
A decisão foi unânime e apontou que normas e diretrizes escolares são de competência privativa da União e exigem tratamento uniforme em todo o país.
A corte julgou duas ações, referentes a normas de Tubarão (RS), Petrolina (PE) e Garanhuns (PE). Ambas começaram a ser analisadas em plenário virtual, mas foram suspensas por pedido de destaque de Kassio Nunes Marques.
Na retomada, o ministro relembrou os precedentes do tribunal pela derrubada dessas legislações, mas afirmou que alguns aspectos precisam ser ponderados. Segundo ele, a liberdade de cátedra, como quase todos os direitos e liberdades, encontra limites, especialmente quando crianças são o público-alvo.
“Se é certo que os municípios não podem legislar, não menos exato é que a exposição de discussão e polêmicas podem revelar-se modelo opressivo”, afirmou o ministro.
Nunes Marques fez referência a estudos sobre desenvolvimento infantil. “Preservar a infância não é conservadorismo.”
“O princípio central da educação infantil, independentemente de métodos escolhidos, deve ser colocar o bem-estar da criança em primeiro lugar, preservando-a de ter que pensar em decisões de longo prazo, para as quais ainda não possui maturidade emocional ou cognitiva. A infância é o tempo da experimentação segura.”
Os ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin fizeram ponderações na mesma direção.
“Compartilho das preocupações trazidas pelo voto do ministro no sentido de que é relevante evitar a chamada hiperssexualização ou adultização das crianças. Acho essa uma preocupação justa, necessária, porque os impulsos nessa direção são múltiplos e todos deletérios”, afirmou Dino.
“Isso vem desde a busca de trajar meninas de modo erótico, de fazer com que meninas sejam vistas como objeto de desejo ainda na primeira infância. Isso se dá também em relação a meninos, a adolescentes que são, na prática, compelidos por interesses econômicos, no mais das vezes, mas não só, a iniciarem precocemente a sua própria maneira de viver”, continuou o ministro.
Zanin disse que “é necessário observar os preceitos pedagógico de adequação do conteúdo da metodologia aos diferentes níveis de compreensão e maturidade de acordo com as faixas etárias e ciclos educacionais”.
Todos os ministros se manifestaram para apontar incompetência de municípios fixarem normas sobre currículos escolares, mas fizeram reflexões de diferentes linhas. Ao contrários dos colegas, Alexandre de Moraes afirmou que as leis analisadas voltam “ao período da inquisição”.
“Obviamente, nenhum de nós aqui eu também sou pai de três filhos defende que não se deva preservar a infância, que não se deva educar a infância a partir do desenvolvimento, mas preservar a infância não significa escondê-la da realidade, omitir informações sérias e corretas sobre identidade de gênero, sobre educação sexual”, disse.
Segundo Moraes, por meio das redes sociais, crianças e adolescentes são bombardeadas com informações distorcidas sobre esses temas, incluindo ideologia de gênero e questões sexuais.
“As mesmas pessoas, os mesmos grupos que defendem que as redes sociais podem tudo, podem bombardear com mentiras, com estudos falsos sobre essa questão, são os mesmos que defendem a aprovação dessas leis, que querem impedir uma educação de temas sexuais sérias, uma educação séria”, afirmou.
Moraes também disse que a liberdade de expressão, nesses casos, é acionada para para o discurso de ódio contra a população LGBTQIA+ nas redes sociais. “Só que não existe a liberdade de expressão e a liberdade de ensino nas escolas para o antídoto a esse discurso de ódio.”
O ministro também afirmou que exageros são condenáveis, mas defendeu a necessidade de o Brasil se preocupar com a violência contra essa população, citando dados do Atlas da Violência deste ano.
Pelo 16º ano consecutivo, disse Moraes, o Brasil aparece como o país que mais mata pessoas trans e travestis.
“E isso é decorrente do quê? Entre outras coisas, do que eu chamo da política do avestruz na educação. Fingir que não existe. Não é possível fingir, inclusive para as crianças, que não existem pessoas trans, que não existem travestis, que não existe diferença de gênero. Não é possível, nessa altura do século 21.”
Em janeiro de 2024, a Folha identificou haver ao menos 77 leis municipais e estaduais antitrans em vigor em 18 unidades da federação mais de um terço delas entrou em vigor em 2023.B oa parte dessa legislação veda o uso da chamada linguagem neutra ou impede debates sobre a temática de gênero nas escolas, contrariando decisões do Supremo, em ações que questionam esses textos.
Há também restrições ao compartilhamento de banheiros e à participação de atletas trans em competições esportivas. Outras normas proíbem crianças e adolescentes trans de acessar determinados serviços de saúde e de participar de Paradas do Orgulho LGBTQIA+. Existem ainda regras que buscam censurar materiais publicitários com conteúdos alusivos à diversidade de gênero.
Proponentes dessas leis negam que elas tenham caráter antitrans, afirmando que ajudam a proteger os direitos de crianças e mulheres e a resguardar a liberdade religiosa. Por outro lado, especialistas dizem que essas normas promovem a institucionalização da transfobia e podem estimular a violência contra uma das parcelas mais marginalizadas da população.