SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Âmbar Energia, braço da J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, assinou contrato para adquirir a totalidade da participação detida pela Eletrobras na Eletronuclear, empresa responsável pelo Complexo Nuclear de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.

A operação, informou a Âmbar, totalizou de R$ 535 milhões, e está sujeita à aprovação dos órgãos reguladores. A Eletrobras também divulgou comunicado ao mercado.

Pelo contrato, a Âmbar passará a deter a participação de 68% do capital total e de 35,3% do capital votante da Eletronuclear antes detida pela Eletrobras. A União, que não faz parte da transação, continuará controlando a Eletronuclear por meio da ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional), que detém 64,7% do capital votante e cerca de 32% do capital total.

A Eletrobras já havia declarado a intenção de deixar a sociedade e enunciado a disposição de procurar uma empresa para ocupar a sua posição na estatal —algo necessário principalmente para se desvincilhar da obrigação de manter garantias que sustentam a construção de Angra 3. Contratou o banco BTG para ajudar na prospecção de interessados.

Segundo pessoas que acompanharam as tratativas, a companhia apresentou o negócio para mais de 30 potenciais investidores no Brasil e no exterior. Na reta final havia uma empresa chinesas interessada, mas a disputa ficou mesmo entre Âmbar e Diamante Energia, empresa que tem como sócio Grünauer Kassab, sobrinho de Gilberto Kassab, fundador do PSD e secretário de Governo e Relações Institucionais no estado de São Paulo.

A reportagem fez contato com a assessoria da Âmbar para saber se a empresa já tem uma definição sobre Angra 3, mas não obteve posicionamento até a publicação deste texto.

Como os Batistas tecem boas relações com os governos onde atuam, no mercado avaliou-se que a entrada da Âmbar na Eletronuclear abre caminho para a construção da terceira usina no complexo em Angra dos Reis —caso o governo feche consenso em torno do projeto. O Ministério da Fazenda, por exemplo, não vê viabilidade econômica.

O anuncio do negócio praticamente coincide com a revisão do projeto da usina. Na quarta-feira (1°), o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) determinou que o BNDES atualize os estudos da modelagem econômico-financeira para a conclusão de Angra 3.

Nas conversas com investidores, a Eletrobras também apresentou o potencial das reservas de urânio do Brasil, para explicar o contexto local do setor nuclear.

Há um megaprojeto de extração de urânio associado a fertilizantes, no município de Santa Quitéria, no Ceará, por exemplo. Diferentes governos tentaram, ainda sem sucesso, destravar a exploração no Ibama ( Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). A atual gestão também estaria em tratativas para tirar a proposta do papel.

Santa Quitéria pode não apenas dar autossuficiência ao país como também transformar o Brasil em exportador no momento em que vários investidores retomam projetos de pequenas usinas nucleares como alternativa para reduzir emissões dos gases de efeito estufa, mas a resistência de ambientalistas e da comunidade local na região de Santa Quitéria é muito forte.

Negócios envolvendo insumos nucleares, especialmente a extração de minérios radioativos, são monopólio da União. Lei nº 14.514, de 2022, introduziu uma flexibilização na Constituição, ao permite que a estatal do setor, a INB (Indústrias Nucleares do Brasil), faça parcerias com empresas privadas, nacionais ou estrangeiras, em atividades relacionadas ao urânio —pesquisa, lavra e comercialização, desde que a INB permaneça como responsável final.

Nesta quarta-feira (15), no entanto, em audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional na Câmara, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, trouxe um novo prisma para discussão.

Chamado para tratar de problemas entre Brasil e Paraguai em Itaipu Binacional e no comércio internacional de petróleo, urânio e outros minerais críticos, Silveira afirmou que a Constituição hoje traz regras que restringem o setor, mas que é preciso modernizá-lo. Ele diz que pretende apresentar, ainda durante sua gestão, um plano para reestruturar o setor nuclear.

O anúncio de que a Eletrobras encontrou uma saída da Eletronuclear foi bem recebido por analistas do setor de energia.

“A Eletrobras reforça mais uma vez o seu caixa e se livra de um fator de risco relevante, voltando-se ainda mais às operações em que detém o controle e consegue gerar valor contínuo para o acionista”, escreveu o analista da Suno Research, Bernardo Viero, numa primeira avaliação sobre o anúncio.

Na outra ponta do negócio, na nota em que confirmou a transação, o presidente Âmbar, Marcelo Zanatta, afirmou que a entrada da empresa na energia nuclear faz parte da estratégia de diversificação dos negócios.

“A energia nuclear combina estabilidade, previsibilidade e baixas emissões, características fundamentais em um momento de descarbonização e de crescente demanda por eletricidade impulsionada pela inteligência artificial e pela digitalização da economia”, afirmou na nota.

A Eletronuclear opera as usinas Angra 1, com potência instalada de 640 megawatts (MW), Angra 2, com 1.350 MW, e o projeto em desenvolvimento de Angra 3, de 1.405 MW. Somadas, as três unidades podem gerar até 3.400 MW, o suficiente para abastecer mais de 10 milhões de pessoas.

Em 2024, a Eletronuclear registrou receita líquida de R$ 4,7 bilhões e lucro líquido de R$ 545 milhões.